O que foi o Plano Cruzado?

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Na segunda metade da década de 1980, o Brasil gozava de seus primeiros anos de redemocratização. A população, entretanto, ainda lidava com sequelas das últimas duas décadas, vividas em uma ditadura militar. Em 1986, o Plano Cruzado foi elaborado para tentar combater o problema da inflação pela primeira vez.

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Neste texto, a Politize! vai te mostrar como o Plano Cruzado foi elaborado. Qual era o contexto econômico por trás de sua criação? Quais foram os acertos deste plano? E os erros? Que legado o Plano Cruzado deixou para seus sucessores? Vem com a Politize! conhecer um pouquinho mais sobre a história econômica do Brasil!

Pilha de moedas. Fonte: Imagem de freepik

O Brasil antes do Plano Cruzado

O Plano Cruzado foi anunciado pelo então presidente José Sarney em 28 de fevereiro de 1986. Foi concebido para combater a crescente inflação no país após anos de significativo crescimento econômico. 

Entre as décadas de 1960 e 1970, o Brasil viveu o período conhecido como milagre econômico, com grande crescimento do PIB possibilitado por um cenário externo favorável. Investimentos em infraestrutura modernizaram a indústria nacional.

As exportações de commodities impactaram positivamente a balança comercial. Entretanto, quando o mundo se deparou com as grandes crises econômicas no início de 1970, o cenário tornou-se mais desafiador.

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A crise do petróleo e o fim do lastro do dólar em ouro chacoalharam a economia global na década de 1970. A dívida externa acumulada pelo Brasil ao longo dos últimos anos se tornou insustentável.

O aumento exponencial do preço do barril do petróleo decorrente das duas crises do petróleo trouxe a inflação ao horizonte dos países desenvolvidos, dependentes da oferta de petróleo oriunda dos países da Opep. Para se preparar para o cenário desafiador iminente, as taxas de juros aumentaram em países como Estados Unidos.

O crescimento da economia brasileira durante o milagre econômico foi sustentado em grande parte por empréstimos internacionais. As taxas de juro deste tipo de empréstimo saltaram de 8% a.a. para uma média de 19% a.a. após os choques do petróleo. A recessão global, por consequência, impactou as exportações de commodities, importante agente de crescimento de muitas economias latinoamericanas, incluindo a brasileira. 

Em pouco tempo, o governo brasileiro viu o custo dos empréstimos internacionais disparar e as exportações diminuírem. Com juros maiores, a dívida se tornava mais cara. Com menos exportações, o fluxo de dinheiro que chegava à economia diminuía. Entre os anos de 1974 e 1982, o Brasila acumulava uma dívida externa de aproximadamente US$ 80 bilhões.

Como uma tentativa de evitar – ou ao menos postergar – os impactos da crise global na economia brasileira, o II PND foi lançado.

O II Plano Nacional de Desenvolvimento buscou manter o ritmo de crescimento que o Brasil vivenciara nos últimos anos. Em um cenário político e econômico desfavorável tanto interna quanto externamente, contudo, não obteve os resultados esperados.

O início da década de 1980 marcou o fim da ditadura e a chegada ao poder de um governo civil. Com a morte precoce de Tancredo Neves, coube a seu vice, José Sarney, encarar os desafios que assolavam o Brasil. O país sofria com altas taxas de desigualdade social, endividamento externo e inflação na casa dos três dígitos.

Por Casa da Moeda do Brasil – https://banknoteindex.com, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=75568935

O Plano Cruzado

O Plano Cruzado tinha um objetivo claro: conter a disparada nos preços que assolava o país nos últimos anos. Nos meses prévios ao anúncio do plano, a taxa de inflação alcançou mais de 500% a.a.

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Economistas da época enxergavam a inflação brasileira como do tipo inercial. Isso significava que os preços dos produtos hoje eram definidos com base na inflação de ontem. Os preços de amanhã, definidos com base na inflação de hoje. Ou seja, se a inflação fosse elevada hoje, seria elevada amanhã; se fosse elevada amanhã, seria ainda maior no dia seguinte, e assim sucessivamente.

A solução para este cenário desafiador foi composta por um pacote de mudanças e de políticas econômicas heterodoxas. Encabeçado por renomados economistas da PUC-RJ e da Fundação Getúlio Vargas, o Plano Cruzado tinha como principais propostas:

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Introdução de uma nova moeda, o Cruzado

Uma das mudanças mais perceptíveis foi a introdução do Cruzado como moeda substituta do Cruzeiro. Com a crescente e constante desvalorização da antiga moeda, ela foi substituída seguindo a razão de mil para um. Isso indicava que cada mil Cruzeiros (Cr$) seriam equivalentes a um Cruzado (Cz$).

A lógica por trás de uma nova moeda consistia essencialmente em facilitar o uso desta nova moeda (removendo zeros e simplificando cálculos feitos nas transações cotidianas). A introdução de uma nova moeda também proporciona efeitos comportamentais: é mais provável que uma moeda desvalorizada seja vista com menos confiança pela população do que uma nova, que ainda não foi “afetada” pelas condições econômicas vigentes em um território.

Congelamento de preços

Junto da chegada do Cruzado, outra das ações mais lembradas do Plano Cruzado foi o congelamento dos preços. O congelamento foi aplicado de maneira generalizada, para todos os bens e produtos que circulavam na economia. A ideia é tão simples quanto parece: frear o aumento desenfreado de preços na economia (inflação) por meio da proibição do reajuste de preços de alguns bens e serviços.

Os defensores do congelamento de preço visavam os impactos de curto prazo desta ação como a queda de inflação, que de fato ocorreu no Brasil. A visão contrária ao congelamento, por sua vez, trazia uma perspectiva de médio e longo prazo.

A ideia era que, após uma diminuição da inflação no curto prazo, os produtos afetados pelo congelamento de preço sofreriam com escassez de oferta e, eventualmente, voltariam a gerar inflação pelo consequente aumento de seus preços. Com menor oferta de determinado produto, seu preço aumentaria.

Foi neste contexto que o então presidente José Sarney convocou os cidadãos a fiscalizar ativamente estabelecimentos comerciais. O objetivo era garantir que a estratégia de congelamento de preços seria seguida adequadamente. Além disso, foi uma maneira de engajar a população a participar dos esforços do governo no combate à inflação. Foi assim que surgiram os fiscais do Sarney: cidadãos comuns que se engajaram na fiscalização dos preços.

Indexação de salários

Visando manter o poder de compra da população, os salários passaram a ser indexados de acordo com uma escala móvel. Sempre que a inflação acumulada atingisse 20%, os salários da população seriam reajustados em, no mínimo, 60% da variação acumulada de 60% da inflação.

Além disso, todos os salários foram convertidos para Cruzado. A conversão se deu com base no valor real médio dos salários de acordo com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).

Conversão à nova moeda

Não foram apenas os salários da população que passaram pela conversão para a nova moeda. Para expandir a circulação do Cruzado na economia, o preço de diversos outros contextos também foi convertido. Aluguéis, mensalidades escolares, dentre outras obrigações financeiras também passaram pelo mesmo processo de conversão dos salários.

Política cambial

Dentre as mudanças mais relevantes, houve também uma alteração na política cambial vigente. A taxa de câmbio passou a servir como âncora deste novo plano econômico. A estratégia de âncora cambial visava estabilizar o preço de determinados produtos com base na taxa de câmbio entre real e dólar. Esta relação não seria fixa, ou seja, a âncora cambial variaria de acordo com as flutuações da taxa de câmbio real-dólar, no entanto, o possível aumento de preços seguiria estas flutuações.

Primeira página jornal O Globo. Fonte: Manchetempo UFF

Resultados positivos e queda do Plano Cruzado

Nos primeiros meses após a implantação do Plano Cruzado, os resultados foram positivos. O congelamento de preços pôs um freio na inflação crescente. A conversão dos salários ocasionou uma expansão na remuneração real média da população. A reação das pessoas foi um direcionamento de suas finanças, incluindo o dinheiro até então depositado em poupança, para o consumo imediato.

A inflação nos meses seguintes a fevereiro baixaram significativamente. De 22,4% no mês do anúncio do Plano Cruzado para, respectivamente, 5,5%, -0,6% e 0.3%. O consumo seguiu elevado e trouxe consigo o aumento expressivo na demanda por bens.

Com a persistência do congelamento de preços, algumas indústrias passaram a sofrer com a escassez de oferta, como a agropecuária. Se uma empresa ou área da economia teve seus preços congelados em um momento de baixa, não podiam reajustar os preços. Os custos de produção não justificavam a manutenção da oferta – ou a geração de novos bens para sustentar o crescimento na demanda.

A indústria operava próximo de sua capacidade máxima, e ainda assim não atendia à totalidade da demanda.

O pacote de julho de 1986

Visando combater os novos problemas gerados pela crise de demanda, um novo pacote de medidas econômicas foi anunciado. O objetivo deste pacote era diminuir a demanda e auxiliar na ampliação da capacidade produtiva e industrial existente.

As principais ações contidas no pacote de Julho eram explicitamente relacionadas. Foi instituído o empréstimo compulsório até dezembro de 1989 sobre diversos bens de consumo, como automóveis e passagens internacionais.

O Plano de Metas foi lançado com o objetivo de promover investimentos governamentais em infraestrutura e em áreas sociais. O Fundo Nacional de Desenvolvimento foi criado como financiador do Plano de Metas. O FND era alimentado pelos empréstimos compulsórios e encargos financeiros que incidiam sobre os bens inicialmente citados.

Nenhuma das ações do pacote surtiu o efeito esperado. A demanda continuou em altos patamares, e o Plano de Metas foi eventualmente engavetado. Segundo alguns especialistas, a proximidade das eleições influenciou nas decisões contidas neste pacote. Interesses políticos se sobrepuseram às ações defendidas pela equipe econômica.

O Cruzado II

Após as eleições de novembro e com as ações de meados de 1986 ineficazes, novas mudanças foram anunciadas pelo governo. Estas mudanças ficaram conhecidas como Cruzado II.

As justificativas por trás do Cruzado II passavam, em essência, pelos mesmos problemas já identificados:

  1. O superaquecimento da economia interna, levando a um desequilíbrio entre a demanda da população e a capacidade produtiva nacional;
  2. A incapacidade de insuficiência por parte do governo;
  3. A balança comercial desregulada pelo alto consumo interno.

Eram vários os elementos que forçavam o governo a agir. Os objetivos do Cruzado II, portanto, visavam combater estes problemas.

As medidas anunciadas consistiam no estímulo à poupança, com a criação de novas modalidades da caderneta; na correção de preços gerais da economia, como o aumento de 80% no preço de automóveis, de 122% no preço de cigarros, 25% açúcar, 60% nos combustíveis, dentre outros; na redução e adiamento de investimentos estatais previstos no curto prazo; na readequação dos reajustes salariais, incluindo descontos em aumentos já obtidos.

Como resultado, obteve-se uma redução no consumo ocasionada mais pela volta da inflação gerada por uma combinação de fatores negativos. O poder de compra real da população diminuiu, sua confiança no governo despencou, e os problemas de outrora retornaram.

O legado do Plano Cruzado

Embora não tenha sido bem sucedido em seu objetivo inicial, o Plano Cruzado deixou um legado. As principais críticas a este plano econômico giram em torno da falta de um planejamento de médio e longo prazo, e de uma insistência no congelamento de preços.

As distorções geradas por esta última estratégia comprometeram a cadeia produtiva em diversos setores. Inicialmente bem-sucedido em estabilizar a economia, o congelamento dos preços foi também o responsável pela crise na cadeia produtiva.

Ainda assim, os planos seguintes utilizaram elementos do Plano Cruzado. A estratégia de âncora cambial e a criação de uma nova moeda para equilibrar o poder de paridade de compra nacional foram, inclusive, movimentos aplicados pelo Plano Real, que veio a resolver, anos mais tarde, o problema da inflação.

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Através do Plano Cruzado foi possível entender quais estratégias melhor se aplicariam na realidade brasileira. Houve um entendimento mais profundo das reais causas de inflação no país. Muitos economistas da equipe do Plano Cruzado voltariam, no futuro, a contribuir com ideias nos governos seguintes.

O Plano Cruzado foi o primeiro passo de um país recém redemocratizado em direção à estabilidade econômica e social.

Gostou de conhecer mais sobre esta importante etapa da história do Brasil? Conta pra gente sua opinião aqui nos comentários sobre o Plano Cruzado!

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Curioso por natureza, sou aspirante a escritor desde a adolescência. Apaixonado por romances policiais e livros de fantasia medieval, adoro conhecer novas culturas e, principalmente, conhecer (e tentar aprender) novos idiomas. Sou formado em Economia, tenho especialização em Análise de Dados e atuo na área de Tecnologia! Sou entusiasta das áreas de Política e Relações Internacionais, e acredito que compartilhar conhecimento é a melhor maneira de educar e conscientizar as pessoas sobre todo tipo de assunto.

O que foi o Plano Cruzado?

07 set. 2024

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