Inflação é um termo que ouvimos com frequência. Ela pode ser medida por diversos tipos de índices de inflação, que mensuram a alta generalizada dos preços de produtos que afetam diretamente nosso bolso. Nos últimos anos, ouvimos falar da inflação na casa de um dígito. Mas você sabia que já chegamos a ter uma hiperinflação acumulada superior a 2.000%, no ano de 1993?
A mudança da moeda brasileira para o real foi uma resposta aos anos de incerteza que os brasileiros sofreram. Era praticamente impossível fazer planos a longo prazo, pois os preços poderiam subir e dobrar os gastos de uma viagem, por exemplo, passado um mês. Apelidada de “dragão”, a alta inflação simplesmente corroía o poder de compra das pessoas.
Para que se possa ter ideia, em junho de 94 a inflação era de 47,43%. Essa inflação significa que, se estivéssemos comprando um carro popular no valor de R$ 35 mil, após um mês ele passaria a valer R$ 53 mil. Era um hábito do brasileiro, por exemplo, que as compras fossem feitas para o mês, sempre armazenando em grandes quantidades assim que caísse o salário mensal, para não correr o risco de sofrer com o aumento dos produtos na correção monetária.
As coisas só começaram a estabilizar com o Plano Real. Mas até chegar em 1994, a economia brasileira percorreu um longo caminho de oscilações. Vamos acompanhar essa trajetória?
O CAMINHO DAS PEDRAS: PLANOS CRUZADO, BLESSER, VERÃO…
O Brasil tinha acabado de sair de um momento conturbado de sua história, a ditadura militar. A desigualdade entre pobres e ricos havia crescido e a dívida externa brasileira saltou de US$ 3.294 milhões, em 1964, para US$ 105.171 milhões, em 1985. Na década de 80, o Estado passava por dificuldades visíveis: o governo gastava mais do que arrecadava com os impostos; o dinheiro público era mal utilizado em obras superfaturadas, em desvios através da corrupção; e o número alto de funcionários públicos são algumas das razões principais pelo gasto excessivo insustentável.
Na época, o país começava a voltar à democracia. José Sarney, como Presidente da República após a morte de Tancredo Neves, lançou em 1986 o Plano Cruzado, que visava desinchar a inflação.
O Cruzado (Cz$) substituiu então o Cruzeiro (Cr$), cortando 3 zeros da antiga moeda, ficando a relação de 1 Cruzado igual ao valor de 1000 Cruzeiros.
Período de Circulação do Cruzado: 22 de abril de 1986 a 15 de março de 1990.
O Governo Sarney, então, adotou a prática congelar os salários até que a inflação atingisse 20% para que fosse corrigido, foi chamado de “gatilho salarial”. Outra prática foi o congelamento dos preços por um ano. Os produtos ficavam congelados com um preço fixo para os consumidores, porém a inflação continuava avançando, isto é, os setores produtivos da economia iam perdendo o lucro, já que não podiam aumentar os preços, à medida que os gastos para produção subiam. Para não perder dinheiro, as empresas começaram a produzir menos, os produtos foram começando a sumir das prateleiras e entrando em escassez. O governo se viu obrigado a descongelar os preços. Era o fim do Plano Cruzado.
Em 1987, foi lançado o Plano Bresser, cujo nome remete ao então Ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser Pereira, no governo Sarney. O objetivo era o mesmo: conter a inflação. A forma encontrada foi continuar congelando os preços, só que agora os preços eram corrigidos a cada 90 dias, acompanhada de uma redução salarial. De início, até foi possível cumprir o que se pretendia, mas logo o plano foi engolido pelo dragão da inflação.
Ainda durante o governo Sarney, substituindo Bresser como Ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega lançou o Plano Verão, em 1989. Nóbrega continuou congelando os preços e colocou mais uma moeda em circulação: era a vez do Cruzado Novo.
Período de Circulação: 16 de janeiro de 1989 a 31 de outubro de 1990.
O Cruzado Novo (NCz$) substitui o Cruzado (Cz$), numa tentativa, também fracassada, de conter a inflação. A relação foi de Ncz$ 1 igual a 1000 Cz$.
Eleito presidente em 1990, Fernando Henrique Collor de Mello colocou em prática o seu plano, que ficou popularmente conhecido como Plano Collor. Motivo de más lembranças para muitos brasileiros, o Plano Collor foi marcado pelo confisco da poupança. O objetivo era o mesmo que se arrastava há décadas: estabilizar a inflação. Para isso, o governo resolveu enxugar a liquidez, isto é, retirar dinheiro de circulação: valores acima de Ncz$ 50 mil depositados em poupanças foram bloqueados e as pessoas não podiam mais sacar seu dinheiro. Isso significa que 80% do dinheiro do país, correspondente a 30% do PIB, foi congelado por 18 meses, como explicou na época a Ministra da Fazenda Zélia Cardoso de Mello. Além disso, fizeram parte desse plano a demissão voluntária de funcionários públicos, tudo a fim de frear os gastos governamentais.
Veja também nosso vídeo sobre o governo FHC!
Também foi instituído uma nova moeda para circulação: trocou-se o Cruzado Novo pelo Cruzeiro (Cr$).
Período de Circulação: 15 de abril de 1990 a 30 de setembro de 1992.
Ao contrário do que aconteceu com as outras moedas quando foram reformuladas, em que se corta os 3 zeros mantendo a relação 1:1000, do Cruzado Novo para o Cruzeiro foi mantida o mesmo valor, isto é: Ncz$ 1 é igual a Cr$ 1.
Um ano depois, vendo que a situação continuava insustentável, foi estabelecido uma segunda parte do plano Collor. Assistindo ao fracasso de Collor I, Collor II buscava, também, controlar a alta de preços e estimular a indústria. Os congelamentos de preço e salário continuavam. Foi extinto o overnight, que era um investimento a curtíssimo prazo, de um dia para o outro, em que muitos comerciantes deixavam seu dinheiro e resgatam no dia útil seguinte com um rendimento ínfimo. Assim, foi criado um Fundo de Aplicações Financeiras que tinham as taxas de retorno igual à Taxa Referencial (TR), que, na época, servia de referência para os juros no Brasil.
As várias tentativas de controlar a inflação sem sucesso, as medidas impopulares, como o congelamento de dinheiro, e as acusações de corrupção levaram ao impeachment de Collor em 1992. Seu vice Itamar Franco assumiu como Presidente da República e começou a desenhar um novo plano para o Brasil.
Fique por dentro do assunto: política fiscal, monetária e cambial tem diferença?
O QUE FOI O PLANO REAL?
Itamar Franco assumiu a presidência num momento crítico. Em 1993, a inflação chegou ao máximo registrado em nossa história: superior a 2.000% em doze meses.
Itamar convocou Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda, para assim traçar um novo plano para o Brasil, como forma de combater a hiperinflação. Nesse mesmo ano, uma nova moeda entrou em circulação: o Cruzeiro Real (CR$). Dessa vez, 1 CR$ era equivalente a Cr$ 1.000.
Período de Circulação: 29 de outubro de 1993 a 15 de setembro de 1994.
A difícil tarefa do governo era criar uma moeda que, ao contrário de seus antecessores, trouxesse estabilidade econômica ao invés de oferecer um passageiro controle de preços. Vamos acompanhar as etapas do Plano Real?
As etapas do Plano Real
Ajuste Fiscal: Procurou equilibrar as contas do governos através de um arrocho orçamentário, isto é, uma tentativa de gastar menos e recolher mais através de impostos;
Implementação da Unidade Real de Valor (URV): A Unidade Real de Valor (URV) pode ser considerada a parte fundamental do Plano Real, que teve início em março de 1994. Tratava-se de uma moeda virtual atrelada à cotação do dólar comercial no dia anterior. Na prática, todos os preços na prateleira eram marcados com o valor de URV, porém, quando se pagava, o valor era convertido para a moeda circulante, o Cruzeiro Real. A paridade entre a URV e o Cruzeiro Real era atualizado todos os dias por meio de uma nota oficial do BACEN e, depois, a mídia circulava a notícia. Para entender melhor, um exemplo: digamos que no dia 29 de março de 1994 o preço de um frango estivesse marcado como 1 URV. No caixa, o consumidor pagaria por este frango a quantia de CR$ 895,03, pois está era a paridade entre as moedas naquele dia, de acordo com Banco Central do Brasil;
O Real: A moeda foi oficializada no 1º de julho de 1994. No dia de seu lançamento, todos deveriam converter os Cruzeiros Real (CR$) para Real (R$). A colocação é que R$1 era equivalente a CR$ 2.750.
Período de Circulação: de 01 de julho de 1994 em diante (em circulação).
Como os brasileiros haviam visto várias moedas entrarem em circulação em diversos planos econômicos, o Real não foi tão novidade assim. No entanto, um dos marcos da boa transição para a nova moeda deve-se ao fato de ter sido avisada previamente à população. O uso da URV também preparou o palco para o Real.
OS RESULTADOS DO PLANO REAL
O Plano Real foi importante para o Brasil no controle da inflação. A inflação acabava com o poder de compra e a estabilidade permitiu um maior consumo de volta. Acompanhe o gráfico que mostra a diminuição do comportamento de preços em geral, nos anos que sucederam ao Plano Real:
Fonte: ÍNDICE GERAL DE PREÇOS – IGP-DI/FGV
É possível perceber que houve uma redução notável após o ano de 1994, quando o Plano foi lançado. Mas o dragão da inflação jamais desapareceu, por mais que perdesse fôlego ao longo dos anos. Pensando nisso, o Banco Central elaborou, em 1999, metas para que a inflação não ultrapasse um teto, como contamos neste post sobre inflação.
CONCLUSÃO
A política econômica do Plano Real conseguiu contornar a alta generalizada de produtos e serviços através de etapas que aconteciam simultaneamente para desinchar a economia. Atualmente, o real não é mais tão valorizado como em seus primeiros anos e, por isso, o controle da inflação deve ser pauta de todo governo. Afinal, a inflação afeta todo o país e mexe no bolso da população. Falar de inflação é falar de desenvolvimento social também.
Gostou de entender os desafios de controlar o dragão da inflação? Deixe as dúvidas nos comentários!
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Referências:
Portal Brasil. Índice Geral de Preço IGP-DI, FGV. Disponível em: https://www.portalbrasil.net/igp.html
Jornal do Carro. 20 anos do Real: era difícil comprar carro. Disponível em: http://jornaldocarro.estadao.com.br/carros/20-anos-do-real-era-dificil-comprar-carro/
Folha de São Paulo. O Golpe e a Ditadura Militar – A Economia. Disponível em: http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2014/03/23/o-golpe-e-a-ditadura-militar/a-economia.html
Global Hates. Histórico de Número de Inflação. Disponível em: http://pt.global-rates.com/estatisticas-economicas/inflacao/1993.aspx
Época Negócios. 20 anos de Real. Disponível em: http://20anosdoreal.epocanegocios.globo.com/
José Sarney. Plano Bresser. Disponível em: http://www.josesarney.org/o-politico/presidente/plano-bresser/
Folha de São Paulo. O que foi o Plano Collor?. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1603200534.htm
Banco Central do Brasil. Cédulas. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/htms/Museu-espacos/cedulabc.asp
Banco Central do Brasil. Comunicado. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?method=detalharNormativo&N=94053788
Instituto Mauro Borges de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Dez Anos de Plano Real. Disponível em: http://www.imb.go.gov.br/pub/conj/conj1/03.htm
Instituto Assaf. Nota de R$ 100 Perde 80% do valor em 21 anos do Plano Real. Disponível em: http://www.institutoassaf.com.br/imprensa/clipping12_08_15.pdf
Estadão. Papel-Moeda Perde 78% do seu valor em 20 Anos do Plano Real. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,papel-moeda-perde-78-de-seu-valor-nos-20-anos-de-plano-real,1501895
G1 Globo. Desemprego Fica em 13,3% em Maio e Atinge 13,8 Milhões. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/desemprego-fica-em-133-no-trimestre-encerrado-em-maio.ghtml
G1 Globo. R$ 1 chegou a valer mais que US$ 1 no passado; relembre. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/09/r-1-chegou-valer-mais-que-us-1-no-passado-relembre.html
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Sobre a Evolução Recente da Pobreza e da Desigualdade. Disponível em: http://ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/090924_compres30ricardo.pdf
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Infomoney. Veja quanto valiam os carros em 1994; tinha Uno saindo por mais de R$ 100 mil. Disponível em: http://www.infomoney.com.br/minhas-financas/carros/noticia/3452349/veja-quanto-valiam-carros-1994-tinha-uno-saindo-por-mais