A palavra ‘práxis‘ tem origem na filosofia grega e se refere à prática ou ação. No entanto, seu significado pode ir além de uma simples ação, envolvendo a relação entre teoria e prática.
Ao longo da história, pensadores de diferentes correntes filosóficas e políticas exploraram o conceito de práxis, cada um trazendo suas interpretações e aplicações.
Neste texto, vamos abordar o que é a práxis, os principais autores que trabalharam com esse conceito, suas perspectivas e os diferentes tipos de práxis, além de considerações sobre sua relevância na sociedade atual.
O que é práxis?
A práxis é um conceito inicialmente trazido por Aristóteles, e que se refere à prática consciente e reflexiva, baseada em teorias e ideologias. Em contraste com a mera ação, que pode ser automática ou impulsiva, a práxis envolve uma reflexão crítica sobre as ações realizadas, visando a transformação e a melhoria de contextos sociais, políticos e educacionais.
Em outras palavras, a práxis é a união entre teoria e prática, onde a ação é informada e guiada por uma compreensão mais profunda das realidades sociais.
Esse conceito é amplamente utilizado em campos como filosofia, pedagogia, política e sociologia. A práxis é vista como um meio para alcançar a emancipação e a justiça social, uma vez que possibilita a reflexão crítica sobre as condições de vida e as estruturas de poder.
A práxis é um processo dinâmico e dialético, onde a teoria e a ação se interrelacionam e se modificam mutuamente.
O termo dialético refere-se a uma abordagem filosófica que busca a verdade através da interação de ideias opostas, como proposto por Hegel e Marx, onde tese e antítese se confrontam para gerar uma síntese. No contexto da práxis, que une teoria e prática, a dialética é um conceito relevante especialmente na filosofia marxista.
É uma dinâmica é voltada para a transformação social, de acordo com essa teoria, a pois a práxis implica agir sobre o mundo com base na teoria, modificando tanto a realidade quanto as ideias que a interpretam.
Autores que trabalharam com o conceito de Práxis
Vários pensadores contribuíram para o desenvolvimento e a compreensão do conceito de práxis. Entre eles, destacam-se Karl Marx, Paulo Freire, Antonio Gramsci, Max Weber, John Locke, Adam Smith, Friedrich Hayek, Ludwig von Mises, Roger Scruton, Michel Foucault e Joseph Schumpeter. Cada um desses autores abordou a práxis de maneiras diferentes, levando em consideração seus contextos históricos e sociais.
Práxis para Marx
Para Karl Marx, a práxis é um conceito central em sua análise da sociedade e da economia. Marx acredita que a prática é fundamental para a transformação da realidade social. Ele afirma que a filosofia deve ser entendida como uma ferramenta para a ação, e não apenas como uma reflexão teórica.
Portanto, na visão de Marx, a práxis se torna uma ação consciente que visa a mudança das condições de vida dos trabalhadores e a superação das estruturas de opressão.
Marx argumenta que a prática é a base do conhecimento. Ele critica a separação entre teoria e prática que caracteriza o idealismo, defendendo que a verdadeira compreensão do mundo surge da prática social e da luta de classes.
Para ele, a práxis é uma forma de resistência e emancipação, onde os indivíduos se tornam agentes ativos na transformação de sua realidade. Ele argumenta que a classe trabalhadora, através da sua ação prática, pode transformar a sociedade e construir um futuro socialista.
Saiba mais: O que é Luta de Classes? Entenda o conceito marxista
Práxis para Paulo Freire
Paulo Freire, educador e filósofo brasileiro, também aborda a práxis em sua obra, especialmente em “Pedagogia do Oprimido“. Para Freire, a práxis é fundamental no processo educativo, que deve ser dialético e problematizador.
Ele defende que a educação não deve ser um ato de depósito de informações, mas sim um processo de conscientização e libertação.
Freire enfatiza a importância da reflexão crítica na educação, onde educadores e educandos se envolvem em um diálogo que leva à conscientização das condições sociais e à ação transformadora.
A práxis, nesse sentido, é entendida como um ciclo contínuo de reflexão e ação, onde a teoria se alimenta da prática e vice-versa. Freire acredita que a verdadeira educação deve promover a autonomia e a capacidade de ação dos indivíduos.
A práxis em Freire se manifesta na educação popular, buscando a conscientização e a autonomia dos indivíduos. Ele acreditava que a educação tradicional, centrada na transmissão de conhecimento de forma passiva, reproduzia as desigualdades sociais
Veja também: Paulo Freire o que diz a filosofia do educador brasileiro?
Práxis para Gramsci
Antonio Gramsci, teórico marxista italiano, também fez contribuições significativas ao conceito de práxis. Para Gramsci, a práxis é um meio de compreender e transformar a realidade social.
Ele introduziu a ideia de “hegemonia cultural“, que se refere à dominação das idéias de uma classe sobre as demais. A práxis, nesse contexto, é vista como uma luta pela transformação cultural e pela construção de uma nova consciência.
Gramsci acredita que a práxis deve ser um processo coletivo, onde a classe trabalhadora se organiza para desafiar e transformar as estruturas de poder existentes.
A educação é uma ferramenta essencial nesse processo, pois permite a conscientização e a mobilização dos indivíduos. A práxis, portanto, é um elemento central na luta pela emancipação e pela construção de uma sociedade mais justa.
Entenda mais: Hegemonia
Práxis para Weber, Locke, Smith, Hayek
Max Weber, em sua análise da ação social e da racionalidade, destaca a importância da ação individual e da busca por objetivos em um contexto social. Para Weber, a racionalidade econômica, presente em um sistema de mercado, impulsiona a ação individual em busca de lucro e eficiência. Essa perspectiva, presente no pensamento liberal, defende a liberdade individual e a autonomia do mercado como motores de progresso e transformação social.
John Locke, um dos pilares do liberalismo, defendia a propriedade privada e a liberdade individual como pilares da sociedade. Adam Smith, em sua obra “A Riqueza das Nações”, argumentava que a busca individual pelo lucro, em um mercado livre, geraria benefícios para toda a sociedade, através da “mão invisível” do mercado. Essa visão, presente no pensamento neoliberal, defende a livre iniciativa e o empreendedorismo como motores de crescimento econômico e transformação social.
Friedrich Hayek, um dos principais expoentes do neoliberalismo, criticava o planejamento centralizado e defendia a livre iniciativa e o mercado como mecanismos eficientes de alocação de recursos e de promoção do bem-estar social. Para Hayek, a ação individual, guiada pela busca por lucro e pela competição, impulsionaria a inovação e o progresso, levando à transformação social.
Práxis para Scruton
Em perspectivas mais conservadoras, a práxis pode se manifestar em ações voltadas para a preservação de tradições e valores culturais. Para autores como Roger Scruton, a tradição é um elemento fundamental para a coesão social e para a manutenção da ordem. A práxis, nesse contexto, seria vista como uma forma de preservar instituições e valores que garantem a estabilidade social.
Críticas ao conceito de práxis: Mises
Autores como Ludwig von Mises criticava a “práxis” como um conceito vago e impreciso, argumentando que a ação humana, em um contexto de mercado, é guiada por uma lógica de racionalidade individual e não por uma “intenção” coletiva. Para eles, a intervenção estatal, baseada em teorias abstratas, geraria distorções no mercado e impediria o progresso econômico.
Práxis para Foucault
Michel Foucault, em sua análise do poder e do discurso, destaca a importância das práticas sociais e das relações de poder na construção da realidade. Para Foucault, o poder não está concentrado apenas no Estado, mas permeia todas as relações sociais, moldando as práticas e os discursos. Ele argumenta que a ação individual é sempre atravessada por relações de poder e que a transformação social é um processo complexo que envolve a desconstrução e a reconfiguração de relações de poder.
Práxis para Schumpeter
Joseph Schumpeter, em sua teoria da destruição criativa, argumenta que a inovação e a competição são forças impulsionadoras do crescimento econômico, levando à destruição de empresas e de modelos de negócio obsoletos. Para Schumpeter, a práxis, nesse contexto, se manifesta na ação individual de empreendedores que, através da inovação, transformam o mercado e impulsionam o progresso.
Tipos de práxis
A práxis pode ser classificada em diferentes tipos, dependendo do contexto e da intenção por trás das ações. Alguns dos principais tipos incluem:
1. Práxis educativa: refere-se à prática pedagógica que integra teoria e ação. Nesse tipo de práxis, educadores e alunos se envolvem em um processo de diálogo e reflexão crítica, promovendo a conscientização e a transformação social.
2. Práxis política: é a ação consciente e organizada em busca de mudanças sociais e políticas. Esse tipo de práxis envolve a mobilização de indivíduos e grupos em torno de causas sociais, como direitos humanos, justiça social e igualdade.
3. Práxis artística: envolve a criação e a expressão artística como formas de ação e resistência. Artistas utilizam sua arte para questionar estruturas de poder, promover a reflexão crítica e inspirar mudanças sociais.
4. Práxis revolucionária: busca transformar a sociedade através de uma revolução social, buscando superar as estruturas de poder existentes e construir uma nova ordem social.
5. Práxis reformista: busca transformar a sociedade através de reformas graduais, buscando melhorar as condições de vida das pessoas e promover a justiça social.
6. Práxis emancipatória: busca libertar os indivíduos da opressão e da alienação, buscando promover a autonomia e a autodeterminação.
7. Práxis crítica: busca questionar a realidade, buscando identificar as contradições e as desigualdades que precisam ser transformadas.
Em quais outras áreas a práxis pode ser aplicada?
Além das abordagens mencionadas, a práxis pode ser explorada em diferentes contextos e disciplinas. Na psicologia, por exemplo, pode-se referir à prática reflexiva no processo terapêutico.
Na filosofia, a práxis é frequentemente discutida em relação à ética e à moralidade, questionando como nossas ações refletem nossas crenças e valores.
A práxis também é relevante em movimentos sociais contemporâneos, como o feminismo, o ambientalismo e os direitos LGBTQIA+. Nesses contextos, a práxis se torna uma ferramenta para a ação coletiva e para promover mudança social.
Algumas outras abordagens da práxis incluem:
- A práxis na teologia da libertação: movimento teológico que surgiu na América Latina, utiliza a práxis para interpretar a Bíblia à luz da realidade social.
- A praxis no movimento negro: utiliza a praxis para analisar as relações raciais e buscar a justiça social para a população negra.
A práxis, portanto, é um conceito que une teoria e prática na busca por transformação social. Autores como Marx, Freire e Gramsci contribuíram de maneira significativa para a compreensão desse conceito, cada um em seu contexto histórico e filosófico.
Ao refletirmos sobre a práxis, somos desafiados a considerar nossas próprias ações e como elas se conectam com nossas crenças e valores. A transformação social exige uma prática reflexiva e crítica, onde a teoria e a ação se alimentam mutuamente.
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