Você que acompanha a Politize! já nos viu falando sobre o sistema de governo presidencialista e até mesmo sobre o presidencialismo de coalizão. Desta vez, trouxemos aqui uma análise mais aprofundada desse arranjo político-institucional.
Esse texto terá o papel de procurar respostas a algumas perguntas importantes: qual a relação entre esse arranjo conhecido como presidencialismo de coalizão e a crise política? Os pontos positivos do presidencialismo de coalizão compensam os pontos negativos? Existem formas mais razoáveis para evitar que crises políticas se arrastem por tanto tempo?
O que é presidencialismo de coalizão?
Marcelo Camargo/Agência Brasil.
Como dito anteriormente, já escrevemos sobre o presidencialismo de coalizão antes, mas vamos fazer um apanhado geral sobre os conceitos e definições desse arranjo.
O termo presidencialismo de coalizão foi criado pelo cientista político Sérgio Abranches, em 1988, e significa o ato de fechar acordos e fazer alianças entre partidos políticos/forças políticas em busca de um objetivo específico.
Para o professor Adriano Codato, esses acordos entre partidos são, normalmente, com a finalidade de ocupar cargos em um governo.
Na mesma linha, o professor Antonio Carlos Pojo do Rego, o presidencialismo de coalizão nada mais é do que a forma com a qual o Poder Executivo conduz a administração pública, distribuindo postos administrativos em busca de apoio político e a formação de uma maioria parlamentar.
Nesse sentido, podemos compreender que, para que um governo consiga colocar em prática sua agenda governamental, faz-se necessário criar uma base de sustentação e de apoio no Poder Legislativo.
Veja também nosso vídeo sobre os papéis do presidente!
O que o presidencialismo de coalizão tem a ver com a crise política?
Ao termos em mente que o governo precisa formar uma coalizão, uma base de sustentação no Legislativo, podemos concluir, de antemão, o papel fundamental desse arranjo na atual crise brasileira. Para entender tal afirmação, vamos dar uma olhada rápida na coligação da presidente Dilma nas eleições de 2014.
Para se eleger, Dilma – ou o PT – formou coalizão com PMDB, PSD, PP, PR, PROS, PDT, PC do B e PRB. Para fins de comparação, pegaremos a votação do Impeachment na Câmara dos Deputados e veremos quais desses partidos votaram contra a Dilma, ou seja, a favor do impedimento.
Veja no gráfico abaixo como votaram os partidos da base do governo Dilma:
Dilma não pôde contar com os partidos que compunham sua base de apoio e, uma vez que o governo não conta mais com a sustentação de uma base no Legislativo, sua capacidade de governar cai significativamente. Isso faz com que a aprovação de leis de interesse do governo, bem como a execução de políticas públicas fiquem severamente prejudicadas.
Para que o presidencialismo de coalizão funcione, faz-se necessária a existência de uma excelente coordenação política entre os poderes Executivo e Legislativo. Para que isso ocorra, é preciso haver diálogo constante e forte manutenção de laços entre o governo e sua coalizão/base.
Quais seriam os pontos positivos e negativos desse arranjo?
Marcelo Camargo/Agência Brasil.
Pontos positivos
Talvez o principal ponto positivo desse arranjo seja a constante necessidade de coordenação política entre poderes e a possibilidade de um pacto suprapartidário em prol do povo.
Em outras palavras, por meio do presidencialismo de coalizão é possível ver a união de diversos partidos em prol de uma agenda de governo que pode beneficiar a população como um todo.
Também podemos interpretar que o presidencialismo de coalizão decorre do sistema de freios e contrapesos existentes entre os Três Poderes, considerado fundamental para o equilíbrio do poder político em uma República. O Poder Legislativo tem formas efetivas de fiscalizar e submeter o trabalho do Poder Executivo, o que em teoria é muito positivo, já que evita posturas ditatoriais por parte do chefe de governo, por exemplo.
Pontos negativos
Como dissemos antes, o presidencialismo de coalizão tem um papel muito mais estratégico para os partidos e representantes do que para a população em si. Em primeiro lugar, a formação de uma coalizão ocorre para que determinado candidato ou partido vença as eleições presidenciais e que outros ganhem cargos nesse governo. A população, nesse caso, não está em primeiro plano.
Há ainda a constante iminência de crises. Caso o Executivo conte com um presidente pouco hábil na arte de negociar, poderá ter sua governabilidade reduzida. Embora o Executivo conte com poder de agenda e tenha a competência constitucional de legislar – edição de medidas provisórias, por exemplo -, o Legislativo tem nas mãos o poder de votar projetos de interesse do governo, podendo atrapalhar a execução de políticas públicas ao não votar em seus projetos.
Logo, pode gerar instabilidade na ordem política do país.
Existem maneiras de evitar que crises políticas se repitam?
Foto: Europe1.
Para evitar crises políticas, a realização de reformas política, eleitoral e administrativa no país tornou-se extremamente urgente. Colocaremos aqui alguns pontos para provocar o debate e a reflexão, tais como:
Reduzir o tamanho da máquina pública
Antes de continuar este tópico, é preciso fazer a ressalva de que não está se sugerindo aqui a criação de um Estado mínimo, uma vez que não se trata do foco do texto. Seguindo:
O presidente da República dispõe de uma quantidade enorme de cargos para distribuir. São muitos ministérios e secretarias na administração direta, e muitas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista no administração indireta. O tamanho da máquina pública estimula a distribuição desenfreada de cargos e favorece a eventuais episódios de instabilidade na governabilidade.
Por essa razão, reorganizar a máquina pública, além de trazer benefícios para a saúde do orçamento público, pode reduzir os riscos de cenários de instabilidade política.
Criar mecanismos para reduzir a fragmentação partidária
A existência de um grande número de partidos políticos, em uma primeira análise, pode gerar instabilidades por tornar mais complexa a tarefa de formar maiorias estáveis junto ao Congresso Nacional, podendo atrapalhar a sustentação do Executivo.
Em governos com menor poder de articulação, coalizões secundárias e facções partidárias em blocos de veto podem ser formadas, aumentando os riscos de uma crise de governabilidade.
Breve nota: a existência de muitos partidos não causa, necessariamente, instabilidades. Não é possível atribuir, exclusivamente, ao grande número de partidos a responsabilidade por crises.
Alterar o sistema representativo
Não é de hoje que temos visto o povo se rebelar contra o sistema político de seus países. Somente no século XXI, vimos ocorrer a famosa primavera árabe chamando a atenção para a insatisfação popular com aqueles que governam.
Em 2016, na França, o Nuit Debout, movimento de rua que buscou a refundação da política no país. No Brasil, diversos movimentos têm surgido alegando não se sentirem representados por nenhum partido, nenhum político.
Movimentos como os citados acima são apenas dois exemplos. Teria o atual modelo de sistema representativo chegando ao limite?
Para Bernard Manin, desde o início do século XX vivemos em um modelo de democracia de auditório, onde a imagem dos candidatos vale mais do que uma agenda, um projeto de governo.
O autor assevera, ainda, que a estratégia eleitoral dos candidatos e partidos estão fortemente concentradas na construção de imagens vagas de seus líderes, logo, políticos chegam ao poder por terem domínio de técnicas de comunicação em massa e não por estarem, de fato, próximas ou se assemelharem aos seus eleitores.
Os acontecimentos no Brasil,como o Impeachment, colocam em evidência falhas estruturais na representação. Ao analisarmos o discurso de boa parte dos deputados federais durante a votação da admissibilidade do processo de Impeachment, vimos que o povo foi colocado em último lugar – quando colocado.
Nesse sentido, se faz necessário criar mecanismos que tornem o sistema representativo mais preocupado com a representação do povo do que de interesses privados. É preciso que se busque um sistema representativo onde exista uma agenda de governo que atenda aos anseios sociais e que aproxime mais representantes e representados.
Concluindo
Neste texto, vimos qual é o papel do presidencialismo de coalizão na crise política brasileira. Demonstramos que o presidencialismo de coalizão não é um sistema de governo e, sim, um arranjo político-institucional que visa, por meio da coordenação política entre Executivo e Legislativo, manter a governabilidade no país.
Vimos, ainda, que o atual sistema político precisa de reformas a fim de tornar as regras do jogo menos complexas e mais próximas dos cidadãos.
É preciso ter em mente que este texto tem o papel de provocar um debate acerca do tema e não tem caráter acadêmico. Tenta trazer encostado em si o sentimento de muitos brasileiros que não conseguem assimilar muito bem como crises assim acontecem e quais soluções poderiam ajudar a, ao menos, tornar o processo mais interessante.
Toda essa crise afastou muitas pessoas do debate político, especialmente por pensar que não existem soluções para os problemas que temos. Embora seja realmente difícil enxergar saídas no curto prazo, temos que buscar meios de tornar o sistema representativo em um sistema participativo.
E é esse o papel da Politize!: informar e provocar um debate político.
E então, conseguiu entender como funciona o presidencialismo de coalizão? Estaríamos melhores com outro sistema de governo, como o parlamentarismo? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!
Referências:
- [1] Ver CODATO, Adriano; COSTA, Luiz Domingos. O que é o presidencialismo de coalizão? Folha de Londrina, Londrina – PR, p. 2, 27 dez. 2006.
- [2] Ver REGO, Antônio Carlos Pojo do in Presidencialismo no Brasil: história, organização e funcionamento / João Paulo M. Peixoto (organizador) – Brasília : Senado Federal. 2015, pg. 53.
- [3] ABRANCHES, Sérgio. Crises Políticas no Presidencialismo de Coalizão.