Em 2010, o Oriente Médio e o norte da África foram sacudidos por uma série de revoltas populares que ainda trazem consequências para a região. Habitantes de países como Tunísia, Líbia e Egito foram às ruas para protestar contra governos repressivos e reivindicar melhores condições de vida. O movimento ganhou o nome de Primavera Árabe. Você se lembra dele? Vamos entendê-lo melhor?
O QUE FOI A PRIMAVERA ÁRABE?
Primavera Árabe foi uma série de revoltas populares que eclodiram em mais de 10 países no Oriente Médio e na região norte da África. A Tunísia foi o berço de revoluções que se espalharam pelas nações vizinhas em oposição às altas taxas de desemprego, precárias condições de vida, corrupção e governos autoritários.
O termo “Primavera Árabe” foi popularizado pela mídia ocidental no início de 2011, após a revolta bem-sucedida ocorrida na Tunísia contra o governo repressivo do ex-presidente Zine El Abidine Ben Ali. O estopim do movimento, até então limitado à Tunísia, ocorreu quando o comerciante local Mohammed Bouazizi ateou fogo no próprio corpo após ser ultrajado pela polícia. Responsável por uma família de oito pessoas, havia colocado à venda seu carrinho de mão. Membros do governo pediram propina para que vendesse seu instrumento de trabalho e Mohammed se negou. Foi colocado em um carro, agredido e todos os seus produtos foram roubados.
Após o suicídio do comerciante, a população da Tunísia se revoltou contra a corrupção e políticas repressivas do governo de Ali. O então presidente foi forçado a deixar o país em 14 de janeiro de 2011, o que inspirou revoltas similares em países próximos. Então nasceu o termo “Primavera Árabe”, que se refere à renovação da região, historicamente dominada por regimes não-democráticos e por vezes ditatoriais.
QUAIS AS PAUTAS DA PRIMAVERA ÁRABE?
Egito, Tunísia, Líbia, Síria, Iêmen, Bahrein, Marrocos e Jordânia foram os principais envolvidos na Primavera Árabe. O período trouxe transformações históricas que mudaram os rumos da política mundial. As nações lutaram por objetivos em comum, como o fim das ditaduras ou melhores condições de vida, mas seguiram caminhos individuais durante as revoluções.
Embora cada país tenha embarcado na luta por motivos específicos, a população do mundo árabe partilha frustrações comuns que estão nas raízes dos protestos. A principal é a falta de democracia e liberdade. As nações da região são governadas por regimes autoritários, onde o poder se concentra nas mãos de um único partido ou pessoa, como um rei, ditador ou presidente.
Em muitos países, o poder dominante é corrupto e negligencia as principais necessidades da população. Entre 2010 e 2011, a crise econômica global agravou a situação, aumento o preço dos alimentos e as taxas de desemprego. Insatisfeita, a população começou a protestar em massa. Em alguns países, as revoltas foram suficientes para mudar o cenário. Em outras, a situação ainda é grave.
Apesar de os países do Oriente Médio e do Norte da África envolvidos na Primavera Árabe terem históricos e dinâmicas parecidas em seus países, cada país é único. Isto é, tem hábitos, culturas, línguas e maneiras de cidadania diferentes. Por isso, é interessante analisar como a Primavera Árabe ocorreu em cada um deles, com suas particularidade, acontecimentos individuais e consequências, é ideal para ver o que foi, afinal, a Primavera Árabe. Confira a seguir como funcionou o movimento em cada um dos países…
A Primavera Árabe na Tunísia
Após a queda de Ben Ali, a Tunísia entrou em um período de transição política. Em outubro de 2011, o país realizou suas primeiras eleições parlamentares democráticas, vencidas pelos moderados Islamitas (partido Islâmico). Eles conquistaram mais de 90 cadeiras no parlamento, formado por 217 posições, e Moncef Marzouki foi eleito presidente. O Congresso pela República, maior partido secularista do país, ficou em segundo lugar. O secularismo é o princípio de separação entre instituições governamentais e religiosas. Portanto, prega o Estado laico. O partido de esquerda Ettakatol ficou em terceiro.
Os Islamitas instauraram um governo sustentado por partidos menores com o objetivo de criar uma nova constituição. Nos anos seguintes, o país continuou marcado por instabilidade e disputas políticas, resultando no assassinato de membros da esquerda. Em 2014, o povo tunisiano fez história novamente ao adotar uma constituição progressiva, que abriu caminho para eleições parlamentares e presidenciais mais livres e justas.
Hoje, a Tunísia é uma democracia emergente presidida por Beji Caid Essebsi, membro e fundador do Nidaa Tounes, um partido criado para defender as liberdades individuais e o secularismo. Entretanto, protestos por melhores condições de vida continuam e o país ainda está em transição democrática.
A Primavera Árabe no Egito
A Primavera Árabe começou na Tunísia, mas o momento decisivo ocorreu no Egito em 11 de fevereiro, quando o presidente Hosni Mubarak foi forçado a renunciar após 20 anos de governo autoritário. Seus poderes foram transferidos pela Suprema Corte das Forças Armadas até as eleições parlamentares em junho de 2012. O islamita Mohammed Morsi, do Partido da Liberdade e da Justiça, ganhou as eleições e revogou um decreto que limitava seus poderes. A oposição pública logo começou a se construir, mas foi silenciada pelo governante, que começou a esboçar uma Constituição islamista.
Apesar das tentativas de estabelecer um governo repressivo, milhões de manifestantes foram às ruas e Morsi foi detido por militares em junho de 2013. Ele foi substituído por um governo interino que se opunha aos muçulmanos.
Hoje, o país é comandado pelo ex-comandante do Exército Abdul Fatah Khalik Al-Sisi, considerado responsável por arquitetar um golpe que tirou Morsi do poder. O Egito está dividido entre apoiadores do governo e oposição e a instabilidade continua, reforçada pela repressão política e falência da economia.
A Primavera Árabe na Líbia
Os protestos contra o regime do coronel Muammar al-Gaddafi começaram em 15 de fevereiro de 2011. Chefe de Estado da Líbia desde 1969, era acusado de corrupção, concentrando riquezas em suas mãos enquanto boa parte da população vivia na pobreza. A revolução contra seu governo resultou na primeira guerra civil da Primavera Árabe, composta por aliados e opositores do governo. Em março do mesmo ano, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) autorizou medidas necessárias para proteger os civis. As forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) intervieram na luta, que durou cerca de seis meses e deixou milhares de mortos.
Gaddafi já havia participado de diversos conflitos armados na década de 1980 e assumiu possuir armas químicas. Ele era visto internacionalmente como uma ameaça para o planeta. Foi capturado e morto em outubro de 2011 por simpatizantes do Conselho Nacional de Transição (CNT), oposição do seu governo na época.
O triunfo dos rebeldes foi curto. O país foi dividido entre o comando de inúmeras milícias e continua em guerra civil. Hoje, é comandado pelo Governo do Acordo Nacional, um poder central fraco e transitório endossado pela ONU. A economia se beneficia da produção de petróleo, mas a violência política ainda prejudica os cidadãos, que muitas vezes não têm suas necessidades atendidas por causa da instabilidade e dos conflitos armados.
A Primavera Árabe no Iêmen
O ex-líder do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, foi a quarta vítima da Primavera Árabe. Protestos contra o governo tomaram as ruas em janeiro de 2011, com o objetivo de reformar a constituição para acelerar a economia do país e reduzir as altas taxas de desemprego. As forças governamentais reprimiram as manifestações com violência. Enquanto isso, o grupo terrorista Al Qaeda deu início a atos violentos no sul do país.
O Iêmen só não entrou em guerra civil por conta de um acordo político facilitado pela Arábia Saudita. O presidente Saleh assinou a transferência de seus poderes em 23 de novembro de 2011, concordando em se afastar para dar lugar a um governo de transição liderado pelo vice-presidente Abd al-Rab Mansur al-Hadi.
No entanto, pouco progresso foi feito em direção a uma ordem democrática estável. Hoje, o país ainda sofre com disputas entre grupos Sunitas e Xiitas, ataques regulares da Al Qaeda e economia em colapso.
Bahrein é uma monarquia constitucional marcada por uma longa história de tensão entre a família real Sunita e a maioria da população Xiita. Em fevereiro de 2011, protestos passaram a exigir maior liberdade política para os Xiitas, que se consideram discriminados dentro do país. Logo, a revolução também passou a exigir a deposição do rei Hamad bin isa Al Khalifa.
Uma intervenção militar liderada pela Arábia Saudita interveio, evitando que a família real fosse deposta. Mas não houve solução política e a repressão não conseguiu suprimir os protestos. O país continua uma monarquia absolutista liderada por Al Khalifa e ainda está em crise, com confrontos regulares e prisões de ativistas da oposição.
A Primavera Árabe na Síria
A Síria é um país multirreligioso governado por um regime republicano repressivo. Os primeiros grandes protestos começaram em março de 2011 e se espalharam rapidamente pelas cidades menores e principais áreas urbanas. A população pedia por um regime mais democrático e flexível, com maiores liberdades políticas. Também ansiava pela deposição do presidente Bashar al-Assad.
O governo reagiu com brutalidade e a Síria entrou em guerra civil. A maior parte da população é Sunita e apoia os rebeldes, que é endossada pela Arábia Saudita. Já o regime, que ainda perdura, tem o suporte diplomático da Rússia.
A guerra civil na Síria está acontecendo até hoje, em 2017, e vem causando verdadeiras catástrofes para o país e seus arredores. O conflito já gerou entre 400 mil e 470 mortes e mais de 11 milhões de pessoas estão refugiadas em outros países — mais da metade de sua população. Além disso, sofreu perdas econômicas estimadas em US$226 bilhões — cerca de quatro vezes mais do que o valor do seu Produto Interno Bruto.
A Primavera Árabe no Marrocos
A Primavera Árabe chegou ao Marrocos em fevereiro de 2011, quando milhares de manifestantes se reuniram em cidades, como a capital Rabat, para exigir limites ao poder do rei Mohammed VI. O monarca respondeu criando emendas constitucionais que limitavam alguns de seus poderes e convocou nova eleição parlamentar. Além disso, criou fundos estatais para ajudar as famílias de baixa renda.
Muitos marroquinos se contentaram com as mudanças do governo de forma gradual e por isso ainda há protestos a favor de uma real monarquia constitucional. Nesse caso, os poderes do rei seriam bastante limitados e o primeiro-ministro, atualmente Saadeddine Othmani, assumiria os reais deveres no Executivo. Hoje, o monarca tem vastos poderes executivos e legislativos.
A Primavera Árabe na Jordânia
De forma semelhante ao que ocorreu no Marrocos, os protestos na Jordânia tinham o objetivo de reformar a monarquia sem a abolir. O rei Abdullah II teria seus poderes limitados pela figura do primeiro ministro em uma monarquia constitucional legítima. Em janeiro de 2011, grupos islâmicos, jovens ativistas e membros da esquerda foram às ruas protestar contra más condições de vida e corrupção.
Abdullah II conseguiu controlar a Primavera Árabe no país fazendo mudanças no sistema político e reorganizando o governo, pois temia que o caos instalado na Síria atingisse a Jordânia. Uma das principais medidas foi a nomeação de um novo primeiro ministro, Maaruf Bahkit, um ex-militar muito popular no país. No entanto, a região continua instável e o povo anseia por mais reformas políticas, econômicas e sociais. Além disso, sofre constantes ataques terroristas do grupo extremista Estado Islâmico e abriga mais de 600 mil refugiados sírios desde 2011.
A Primavera Árabe na Argélia
Os protestos, que começaram no início de 2011, responsabilizavam o governo por corrupção, restrições à liberdade de imprensa e más condições de vida. O presidente Abdelaziz Bouteflika criou uma emenda na constituição para fortalecer a democracia. A Argélia estava em “estado de emergência” desde 1991, quando militares tomaram o poder para conter insurgentes islâmicos.
Durante a Primavera Árabe, Abdelaziz aboliu o “estado de emergência” para dar mais liberdade política ao povo. Além disso, permitiu a criação de estações de rádio e TV privadas e lançou um programa para reduzir as taxas de desemprego e diversificar a economia. Entretanto, o presidente continua no poder em 2017 e sofre críticas dos algerianos, que alegam que as medidas foram insuficientes.
A Primavera Árabe na Arábia Saudita
Os protestos na Arábia Saudita foram menores do que nos outros países. Uma pequena parte da população também foi para as ruas em 2011, inspirada pela agitação dos vizinhos. Os manifestantes pediam pela implementação de uma monarquia constitucional, divisão de poderes e mais direitos para as mulheres. O país era governado pelo rei Abdullah bin Absul Aziz desde 1995. Ele se manteve no poder por 10 anos e foi sucedido pelo meio-irmão, o atual rei Salman.
As manifestações foram reprimidas. Hoje, ainda há protestos esporádicos pedindo por reformas políticas e mais liberdade para as mulheres.
LEGADOS DA PRIMAVERA ÁRABE
Entre o final de 2010 e 2012, outros países do Oriente Médio e Norte da África também enfrentaram conflitos menores, como Omã, Djibouti, Somália, Sudão, Iraque e Kuwait. Embora algumas nações tenham avançado em direitos humanos, redução da corrupção, liberdade de expressão e melhora nas condições de vida, como a Tunísia, muitas ainda enfrentam instabilidade política e seguem lutando por seus direitos políticos e sociais, como no caso da Síria e do Iêmen.
REFERÊNCIAS
Guia do Estudante (“Primavera Árabe – resumo”), BBC Brasil (“O homem que ‘acendeu’ a fagulha da Primavera Árabe”), BBC News (“Arab Uprising: country by country”), ToughtCo. (“8 Countries that had Arab Springs Uprisings”), ThougtCo. (“Definition of the Arab Spring”), Reuters (“Timeline – Arab Spring: a year that shook the Arab world”), The World Bank (“The Toll of War: The Economic and Social Consequences of the Conflict in Syria”), Syrian Refugees
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