Em 2022 temos eleições presidenciais. Há apenas indicações de potenciais candidaturas, e estamos longe de ter programas de governo na mesa. Porém, alguns desafios da economia brasileira vêm de longa data, e precisarão ser encarados nas propostas dos candidatos.
Muitas ideias, porém, não serão viáveis. Teremos de fazer escolhas duras no âmbito das políticas públicas. Hoje iniciamos uma série de artigos, fruto de uma parceria entre o Por Quê? – Economês e financês em bom português e o Politize!, para discutir elementos econômicos presentes em planos de governo, com o intuito de torná-los mais acessíveis aos cidadãos. Neste texto, abordaremos a política fiscal.
Antes de mais nada, o que é política fiscal?
Política fiscal é a gestão das finanças do governo, e envolve gastos, impostos, déficit público e dívida pública (veremos a seguir o que isso significa). O governo tem uma série de despesas (saúde, educação, aposentadorias, programas de transferência de renda, subsídios, salários de servidores, juros a credores etc.) e precisa arrecadar recursos para cobri-las. Boa parte desses recursos vem dos impostos que pagamos.
Frequentemente, o governo gasta mais do que arrecada. Para financiar essa diferença – chamada de déficit público –, o governo precisa tomar emprestado, o que aumenta a dívida pública. Essa dívida tem um custo, já que o governo precisa remunerar os credores com juros. E quanto maior a taxa de juros e o tamanho da própria dívida, maior será essa conta.
Como analisar a política fiscal em um plano de governo?
De início, é importante desconfiar de promessas que envolvam aumentos exagerados de gastos públicos ou cortes substanciais de impostos. Não é segredo que as contas públicas brasileiras estão em uma situação delicada. Hoje, o governo gasta mais do que arrecada, mesmo sem incluir o pagamento de juros da dívida. Isso vem impulsionando a dívida pública, que já é grande se comparada a de outros países emergentes. [1]
Considerando isso, todo programa de governo deveria trazer reflexões sobre o problema da política fiscal e, pelo menos, cogitar alternativas para não piorá-lo. Já seria um bom começo.
Dadas as demandas sociais do nosso país, como o combate à desigualdade e à pobreza ou a melhora na qualidade dos serviços públicos, há sim argumentos válidos para a expansão de gastos. Não se pode esquecer, contudo, que aumentos de gastos exigirão mais impostos, que podem onerar ainda mais a produção e o consumo, trazendo impactos negativos sobre o crescimento econômico e a geração de empregos.
Já reduções de impostos podem levar à redução da qualidade dos serviços públicos. Afinal, essas atividades dependem do dinheiro dos impostos para se manter.
Assim, as propostas de mudanças nos impostos e gastos têm potenciais benefícios (que políticos normalmente enfatizam), mas também têm custos que precisam entrar na conta do eleitor que avalia diferentes plataformas.
E por que devemos nos preocupar com isso?
É comum o argumento de que não precisamos nos preocupar com questões de política fiscal nas propostas dos planos de governo, porque estas “se pagam”. Ou seja: aumentos de gastos públicos ou reduções de impostos, por exemplo, estimulariam a economia de tal forma que haveria um crescimento da arrecadação que mais que compensaria o estímulo inicial.
Apesar desse argumento ter consistência lógica, ele quase sempre não faz sentido quantitativamente, já que precisaríamos de uma reação muito forte da economia para tornar as contas públicas melhores em uma situação de aumento de gastos ou redução de impostos.
Além disso, há outros custos associados a uma maior desarrumação no lado fiscal. A dívida cresce mais rápido e fica mais custoso mantê-la. Isso eleva as expectativas de que esses compromissos não serão honrados no futuro, fazendo com que credores passem a demandar juros mais elevados para continuar financiando o governo.
A possibilidade de o governo partir para o desespero e se financiar com impressão de dinheiro também aumenta. Com isso, as expectativas de inflação crescem, o que dificulta a tarefa do Banco Central de manter a estabilidade de preços. Ou seja: juros mais altos, mais inflação, menos crescimento.
Um olhar para a dívida pública
Isso nos traz a uma questão fundamental: a sustentabilidade, no longo prazo, da dívida pública. Durante alguns anos, principalmente no final da década de 1990 e durante a década de 2000, conseguimos registrar superávits primários – isto é, a diferença entre receitas e despesas do governo, sem contar o pagamento de juros da dívida. Isso garantia estabilidade à dívida do governo.
De uns tempos para cá, a receita parou de crescer, mas os gastos não, e passamos a ficar no vermelho nessa rubrica, com sucessivos anos de déficits primários. Ou seja, o governo federal gasta mais do que arrecada, mesmo sem contar os juros da dívida. Diante dessa situação, tivemos uma crise em meados dos anos 2010, com a dívida brasileira passando a ser vista com desconfiança pelos credores. Os juros foram para as nuvens, a inflação subiu e a economia afundou.
A emenda constitucional do teto dos gastos deu um respiro a essa situação. Ao conter o crescimento da despesa por pelo menos 10 anos, sinalizou o retorno dos superávits primários no futuro. Assim, a dívida brasileira passou a ter um perfil menos arriscado, o que possibilitou cortes sucessivos de juros.
Entretanto, o teto também tem seus problemas, uma vez que ele impõe rigidez às contas públicas. Ele dificulta, por exemplo, que o governo aja de maneira anticíclica, isto é, que expanda seus gastos em momentos em que a economia fraqueja, compensando com gastos menores nos períodos de “vacas gordas”. Durante a pandemia foi possível “desligar” temporariamente essas regras, em função do estado de calamidade pública. Mas o teto dificulta essa atuação contracíclica do governo em momentos difíceis, porém menos extremos que uma pandemia.
Atenção ao teto de gastos!
Muito provavelmente, os candidatos falarão sobre o teto dos gastos na próxima eleição. Esse é um ponto importante para discutirmos como sociedade. Ele será mantido como está? Haverá ajustes? Ou simplesmente o removeremos?
Com certeza teremos propostas para revogar a lei inteiramente. Mas é importante ressaltar que simplesmente acabar com o teto, sem colocar nada em seu lugar, não é uma boa estratégia: é importante propor uma regra fiscal que o substitua, com vistas a manter a percepção de que nossa dívida é sustentável.
Este é o primeiro de uma série de textos sobre aspectos econômicos dos planos de governo. Fique atento aos nossos canais. E não se esqueça de deixar a sua opinião nos comentários!
Referências
[1] UOL Economia – Brasil segue com dívida alta e mais custosa que pares emergentes, diz Tesouro