A inovação é um elemento essencial para a dinâmica do mundo atual – poucas pessoas discordariam disso. No nível de sofisticação tecnológico a que chegamos, é muito comum que esse processo criativo exija grandes investimentos e, nesse contexto, a sustentabilidade das ações de pesquisa e desenvolvimento (P&D) – normalmente realizadas por empresas ou governos – depende das aplicações industriais e produtivas das inovações.
Para que esse ciclo de investimentos e retornos seja possível, é necessário que o direito proteja essas novas tecnologias, por um determinado período, para que a comercialização do novo produto ou serviço possa remunerar o seu inventor, desde que tenha sucesso junto ao mercado. Os dois principais mecanismos de proteção jurídica dessas criações são o segredo industrial e as patentes.
O que é o segredo industrial?
No caso do segredo industrial, como o nome sugere, o inventor adota medidas para que a inovação que produziu não chegue ao conhecimento de outros – principalmente concorrentes. Essa estratégia pode ser difícil de implementar porque, em geral, os processos produtivos envolvem muitas pessoas, além do risco de vazamento de informações.
Um exemplo bem sucedido de segredo industrial é a fórmula da Coca-Cola, cuja receita está guardada há mais 100 anos num cofre em Atlanta, nos Estados Unidos, onde fica a sede da empresa.
E o que é uma patente?
Já no caso das patentes, o inventor divulga sua invenção quando solicita o título junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (“INPI”, uma autarquia federal especializada na concessão de patentes e marcas). Em contrapartida, a Lei de Propriedade Industrial brasileira (“LPI”, Lei n° 9.279/1996) irá lhe garantir o direito de explorar de forma exclusiva essa invenção por um período. As patentes são muito comuns no campo dos medicamentos, por exemplo, e inclusive produtos simples como a Aspirina (ácido acetilsalicílico) já foi protegida por patente.
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Qual a vantagem das patentes?
As patentes promovem a inovação… desde que os benefícios sejam concedidos na medida certa.
A vantagem da patente está em que a divulgação da invenção permitirá que o processo de inovação se perpetue, porque quando expirar o prazo de exclusividade outras empresas poderão explorar o achado e melhorá-lo. Além disso, há maior segurança jurídica ao inventor, já que mesmo que os concorrentes consigam desenvolver paralelamente a mesma tecnologia, não poderão explorá-la enquanto estiver vigente a patente.
Para que esse sistema de proteção de invenções funcione de forma adequada (equalizando o interesse do particular em reaver investimentos e lucrar, com o interesse público em ampliar o acesso a produtos inovadores) um aspecto fundamental é o prazo de exploração exclusiva concedido em benefício aos detentores de patentes.
Quanto a isso, a LPI estabeleceu duas regras distintas. Por um lado, como padrão geral, garante-se a exclusividade por um período de 20 anos, contados da data em que o interessado deposita o pedido de patente junto ao INPI. Ou seja, durante esse período apenas o inventor pode produzir e comercializar aquele determinado produto.
Entretanto, atualmente, caso o INPI demore mais de 10 anos na análise desse pedido, o interessado terá uma prorrogação do prazo de exclusividade (por exemplo, se o INPI demorar 13 anos analisando o pedido, a vigência da patente será de 23 anos).
Alguém pode imaginar que esse prazo adicional seria concedido muito raramente, mas existe um represamento histórico de processos no INPI (comumente referido como backlog do INPI) e, por isso, é muito comum que as análises dos pedidos de patente demorem mais que 10 anos. No caso de medicamentos, por exemplo, existem patentes com vigência superior a 30 anos (ou seja, em que o pedido tramitou no INPI por mais de 20 anos antes do seu deferimento).
A ADI nº 5529 e as patentes
Essa situação, evidentemente, tem impacto sobre a vida de todos os brasileiros, isso porque a prorrogação do prazo de monopólio faz com que os preços de produtos que já são antigos permaneçam muito elevados (por exemplo, porque não há o ingresso de genéricos no mercado). O campo da saúde é o mais afetado, seja pelos valores de aquisição praticados pelo Sistema Único de Saúde (com impacto de mais de R$ 3,8 bilhões, segundo estudo do Grupo de Economia da Inovação da UFRJ apresentado na ADI), seja pelos preços aos consumidores finais nas farmácias.
Por conta disso, a Procuradoria-Geral da República ajuizou, no ano de 2016, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n° 5.529) junto ao Supremo Tribunal Federal (“STF”) para limitar o prazo de vigência das patentes a 20 anos no Brasil.
Hoje, existem diversos produtos (especialmente medicamentos) que são protegidos por patentes há mais de 20 anos. Por isso, se a ADI for deferida, outros concorrentes poderão ingressar no mercado imediatamente. É o caso de medicamentos genéricos, que poderão reduzir o custo das aquisições do Sistema Único de Saúde e dos pacientes nas farmácias – é o que sustentam aqueles que defendem a inconstitucionalidade.
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Por outro lado, grandes investidores em tecnologia e que são os principais beneficiários desse prazo adicional ingressaram na ADI por meio de associações empresariais para defender a constitucionalidade da LPI. Segundo eles, sem o adicional de prazo de monopólio não seria possível reaver os investimentos em P&D – o que inibiria a inovação.
A ADI n° 5.529 será julgada em 7 de abril de 2021, segundo calendário divulgado pelo STF. A ação contem valiosos estudos jurídicos e econômicos para auxiliar os Ministros do Supremo em sua decisão. Tendo em vista o impacto que essa decisão terá sobre a vida de cada um de nós, é importante nos informarmos e construirmos, cada um, sua posição sobre o tema. Bons estudos!
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REFERÊNCIAS
Luisa Purchio: STF se prepara para julgar uma ação decisiva para a quebra de patentes. Veja