Apesar de recorrentemente ser confundido com o partido de Juscelino Kubitschek – inclusive por um de seus diretórios -, o Partido Social Democrático (PSD) fundado em 2011 não é o mesmo daquele que surgiu no final da Era Vargas.
A Politize! vai te explicar direitinho essa história, os fatos mais relevantes do atual PSD e como ele se tornou o partido com maior número de prefeitos no Brasil.
PSD de Juscelino Kubistchek (1945)
O Partido Social Democrático de JK surgiu no fim da ditadura de Getúlio Vargas, em 17 de julho de 1945. A princípio, era formado por apoiadores do getulismo e se opunham à candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes (UDN) para presidência em 1945.
Segundo as historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling:
“Era um partido de profissionais, adorava o poder e, para conservá-lo, seus líderes combinavam a contagem meticulosa dos votos recebidos como uma bem calculada repartição de cargos e recursos públicos.”
Tancredo Neves, pessedista de alta estirpe, afirma tempos depois:
“Entre a Bíblia e o Capital, o PSD fica com o Diário Oficial.”
Em uma aliança com o PTB lançaram Eurico Gaspar Dutra como candidato à presidência daquele ano e foram vitoriosos. No pleito seguinte (1950), o partido apostou na candidatura de Cristiano Machado, que perdeu as eleições para Getúlio Vargas. Getúlio contava com o apoio da maior parte dos “caciques partidários” (políticos que dispõem dos votos da sua localidade e tem grande poder local).
Com o suicídio de Vargas em 1954, o PSD lançou JK – então governador de Minas Gerais – à corrida presidencial. Kubitschek venceu as eleições juntamente com o vice – João Goulart ou Jango (PTB). Em 1960, uma nova aliança entre o PSD e o PTB elegeu, novamente, João Goulart à vice-presidência. Jango assumiu a cadeira presidencial após a renúncia de Jânio Quadros – presidente eleito.
Em 31 de março de 1964 o país foi surpreendido com um golpe militar. Inicialmente o Partido Social Democrático concedeu apoio aos generais. A aliança durou até 08 de junho daquele mesmo ano.
Em 27 de outubro de 1965, o Ato Institucional nº 2 (AI-2) tornou ilegal a maioria dos partidos políticos, incluindo o PSD, e implantou eleições indiretas, retirando o poder de escolha da população. A partir de então só dois partidos foram autorizados a existir: o Arena (Aliança Nacional Renovadora), que dava suporte ao governo, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), de oposição consentida.
Com o fim da ditadura militar e abertura política na década de 80, alguns partidos que existiam antes do AI-2 foram refundados. O PSB, fundado por João Mangabeira (1947) foi reconstituído oficialmente em 1988 por ex-filiados. No início, usou o mesmo programa partidário da sua fundação.
O PTB, de Getúlio Vargas, também reivindicou a continuidade do que existia antes do AI-2. Ivete Vargas, uma das fundadoras e sobrinha-neta do ex-presidente, tentou levar Leonel Brizola para a sigla, mas não conseguiu. Com a disputa entre os dois, o partido foi dividido. Uma sigla manteve o nome original e a outra, PDT, foi fundada por Brizola.
Contudo, a história do PSD foi diferente. Não houve tentativa de refundar o partido por antigos filiados na redemocratização. Embora haja semelhanças no posicionamento e operação, vale ressaltar que os programas do antigo PSD e do atual PSD são substancialmente diferentes.
Ernâni do Amaral Peixoto, genro de Vargas e fundador do partido de 1945, garantia:
“O PSD está à esquerda da direita e à direita da esquerda.”
Os grandes pessedistas da época, segundo Schwarcz e Starling, “eram mestres na capacidade de confabular e conchavar.” O PSD era um partido da velha política do “favor miúdo e da astúcia provinciana”. Seus líderes regionais eram sustentados por “coronéis” locais que mantinham controle sobre os deputados e suas bancadas.
PSD de Gilberto Kassab (2011)
O ano era 2011 e Gilberto Kassab era prefeito da cidade de São Paulo pelo partido Democratas (DEM). Em reunião com o então vice-governador do Estado – Guilherme Afif Domingos – houve troca de ideias sobre a criação de um novo partido político no Brasil. Neste mesmo dia surgiu a sigla PSD.
Com o partido fundado, Kassab garantiu:
“Não será de direita, não será de esquerda, nem de centro. É um partido que terá um programa a favor do Brasil, como qualquer outro deve ter.”
O propósito fundacional do partido seria a satisfação dos interesses da classe C que ascendeu à posição de classe média durante os governos do Partido dos Trabalhadores.
O PSD nasceu do fortalecimento político de Gilberto Kassab, dentro de seu antigo partido, o Democratas (originalmente, Partido da Frente Liberal). Em 2004, Kassab foi eleito vice-prefeito de São Paulo pela chapa com José Serra (PSDB). Ganhou visibilidade ao assumir a prefeitura quando Serra renunciou para concorrer às eleições em 2006.
No ano de 2008, Kassab concorreu à prefeitura de São Paulo em uma aliança com o PMDB. Neste momento, o PSDB – antigo aliado – dividiu-se entre apoiar o “demista” ou lançar candidatura própria. Por fim, decidiu-se pelo lançamento da candidatura de Geraldo Alckmin. Kassab foi eleito prefeito em segundo turno disputado com Marta Suplicy (PT).
Após a eleição de Dilma Rousseff (PT) para presidência do Brasil em 2010, iniciou-se o processo de ruptura entre Kassab e as lideranças do DEM. O partido adotava uma oposição sistemática ao PT integrando o “Bloco Democrático-Reformista” junto com o PSDB e o PPS. Após a vitória de Rousseff, Kassab defendeu um relaxamento das posturas ideológicas do DEM.
Com a articulação de um terceiro agrupamento político em São Paulo, alheio à histórica aliança entre PSDB e DEM, surgiram os “kassabistas”. Esse grupo buscava mais controle político, instaurando um conflito com a liderança nacional do DEM (presidido por Rodrigo Maia).
Em 18 de março de 2011, Kassab saiu do partido Democratas. Dois dias depois, ajudou a fundar o Partido Social Democrático (PSD). O fundador do partido conseguiu atrair 17 deputados federais do DEM, além da senadora Kátia Abreu (TO) e do governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo. Outros nomes importantes a deixar o DEM nesta época foram Indio da Costa, Guilherme Afif Domingos e Claudio Lembo.
O PSD apresentou-se como uma opção de centro alternativa ao PMDB, o que gerou interesse na aderência de membros de outros partidos. Isso foi estimulado pelo apoio do primeiro governo de Dilma Rousseff (PT) que tinha como objetivo enfraquecer os partidos de oposição (PSDB, DEM e PPS).
Portanto, os membros fundadores do PSD advém principalmente do DEM, PMN, PP, PSDB e PMDB. Nomes como: Omar Aziz, Otto Alencar , Robinson Faria, Fábio Faria, Sergio Petecão, Rômulo Gouveia, Rogério Rosso, entre outros.
Partido sem ideologia?
Fundado o partido, a cúpula da legenda foi entrevistada pela revista Veja. A vice-presidente, Katia Abreu, afirmou:
“Seremos uma oposição eventual”.
A ideologia não estava entre as prioridades do novo partido, como pontuou Guilherme Afif Domingos:
“O partido não precisa ser ideológico. O povão quer um Estado que funcione.”
Também em entrevista à revista Veja, o cientista político Rui Tavares Maluf, professor da Fundação Escola de Sociologia de São Paulo (Fesp), disse que:
“O natural seria uma legenda nascer de correntes da sociedade em busca de uma nova via ou pelo menos em torno de algumas bandeiras. Não se vê nada disso no PSD. […] Não há outro motivo para a formação do PSD que não a insatisfação dos filiados com seus ex-partidos.”
Em março de 2011, o partido publicizou suas 12 diretrizes. Embora os líderes se esquivem de tais rótulos, cientistas políticos concluem que se trata de um partido essencialmente de direita. Isso se dá por ter como base princípios liberais:
- Desenvolvimento do país;
- Liberdade;
- Democracia e voto distrital;
- Direito de propriedade e respeito aos contratos;
- Igualdade de oportunidades;
- Sustentabilidade e a inovação tecnológica;
- Transparência e respeito ao cidadão contribuinte;
- Liberdade de imprensa;
- Livre associação;
- Descentralização e subsidiariedade;
- Livre comércio e defesa de valores;
- Liberdade e responsabilidade individual.
Neste sentido, Humberto Dantas, sociólogo e doutor em Ciência Política pela USP, afirma:
“Não é pecado ser de direta, mas eles não aceitam ser enquadrados na categoria. […] Talvez porque assim fiquem à vontade para aderir ao governo, em qualquer um dos níveis de poder.”
A insistência do partido em se ratificar como independente abre brecha para seu enquadramento como uma legenda fisiológica. Ou seja, o partido obtêm favores –sem base ideológica– tendo como moeda de troca cargos públicos e liberação de verbas de emendas ao Orçamento.
A participação do PSB em todos os governos federais, não importando o espectro político, desde a sua fundação, bem como a ascensão partidária em pouco tempo de existência, podem servir como ilustração desse fisiologismo.
A ascensão do PSD
As primeiras eleições disputadas pelo atual PSD foram as municipais de 2012 quando elegeu 496 prefeitos. Desde então, sua presença nacional aumentou consistemente. Em 2023 o número de municípios governados pela legenda chegou a 968. O crescimento de 47% fora de um período eleitoral se deu pela migração de prefeitos de outros partidos.
A ascensão se deve à articulação política de Kassab que, em entrevista ao Poder 360, afirmou:
“O Brasil caminha para ter poucos partidos de direita, poucos na esquerda e também poucos no centro […] O PSD está ocupando esse espaço [de centro]”
A fala de Kassab diz respeito às medidas que contribuem para a exclusão de legendas partidárias. Dentre elas, a cláusula de desempenho e a proibição de coligações proporcionais – por sinal, sempre defendidas pelo fundador do PSD.
Diante o surgimento desse novo ecossistema político, o partido passou a ocupar o lugar que antes pertencia ao MDB. Isso quer dizer: o de sigla mais cobiçada por ter uma grande representação no centro do espectro político, o que lhe dá grande influência sobre o governo, já que sua colaboração é necessária para governabilidade.
Além de ser o partido com maior número de prefeitos do país, o PSD domina a região Sudeste (região com maior número de eleitores). A cada 4 cidades da região, 1 é governada por um prefeito filiado ao PSD. O estado de São Paulo é o maior reduto de executivos do partido.
PSD de olho no futuro
A característica de uma aparência não ideológica do atual Partido Social Democrática – embora não bem vista no mundo político -, bem como a articulação de seu fundador, garante ao partido ocupação de espaços independentemente do espectro político governante. Como visto, por ser um partido fisiológico – que tem ações e toma decisões em troca de favores -, participou da governabilidade de todos os executivos federais desde a sua fundação.
A aparente ausência de ideais políticos permite que o partido atue como base de um governo ou oposição. A sigla dança a música que for mais favorável em seus ganhos políticos, especialmente no que diz respeito à liberação de verbas, fato que garante a adesão de novos eleitores promovendo o crescimento do partido.
Para muitos cientistas políticos, a articulação e a operação do PSD não é adequada ao jogo democrático. No entanto, é a maleabilidade do partido que vem garantindo seu avanço em um país que ainda pouco se interessa por política.
Você concorda que o PSD é um partido independente? Ou tem a mesma leitura que os cientista políticos citados aqui que o enquandram como um partido de direita, porém fisiológico? Não deixe de dar sua opinião nos comentários e enriquecer o debate!
REFERÊNCIAS:
- CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 27. ed. ampl. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.
- SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloísa Murgel. Brasil: uma bibliografia. 2 ed – São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
- Poder 360: PSD de Kassab vira partido com maior nº de prefeitos no Brasil. Poder 360: PSD diz na TV ser partido de JK, mas sigla não é a mesma.
- Poder 360: Saiba o que é fisiologismo, prática comum na política brasileira PSD: Linha do Tempo
- PSD: Princípios e Valores
- TSE: Partido Social Democrático
- Veja: PSD – um novo velho partido