As queimadas no Brasil são históricas e acontecem todos os anos, variando em intensidade. Elas afetam a biodiversidade, a economia e a população, e há muitos detalhes sobre essa prática que podem surpreender você.
Será que o fogo pode ser algo bom para certos ecossistemas? É sempre ilegal fazer queimadas? A Politize! vai te contar como as queimadas impactam os biomas brasileiros, quais políticas públicas podem ajudar a reduzir seus efeitos e quais práticas são permitidas quando falamos sobre fogo.
Continue lendo para entender melhor o histórico das queimadas no Brasil, o que são, como e por que ocorrem, os impactos que trazem e como o Brasil lida com essa situação.
O que são as queimadas e por que ocorrem no Brasil?
As queimadas, quando em níveis equilibrados e naturais, fazem parte do ciclo de alguns ecossistemas e têm efeitos importantes. No entanto, ainda liberam gases que contribuem para o efeito estufa, o que pode aquecer o planeta.
Em níveis controlados, o efeito estufa é necessário para manter o equilíbrio térmico na Terra, mas o problema surge quando há um aumento exagerado desses gases. Eles potencializam a retenção térmica, que tem como consequência o aumento da temperatura da terra.
A emissão de gás carbônico (CO2) nas queimadas naturais pode ser reincorporada à vegetação, sendo parte de um ciclo natural de carbono. No entanto, em situações de desmatamento, esse ciclo é interrompido, porque a vegetação não se recupera rapidamente, e o CO2 liberado não é reabsorvido, causando um desequilíbrio no sistema climático.
A fumaça proveniente de queimadas, principalmente em casos de desmatamento e queimadas excessivas, pode se acumular na atmosfera e formar grandes camadas de poluição. Isso causa danos ao meio ambiente, afeta a qualidade do ar e prejudica a saúde das pessoas, especialmente em áreas próximas às queimadas.
Não só em áreas próximas, mas “rios voadores”, correntes de ar que normalmente transportam umidade da Amazônia para outras regiões, estão transportando a poluição gerada pela fumaça das queimadas de uma região para outra. Por exemplo, em 2022, quando queimadas na floresta amazônica chegaram em São Paulo, ou recentemente, com a fumaça das queimadas em São Paulo, que foi transportada para Brasília e outras capitais.
Quando em excesso, esses gases provenientes das queimadas contribuem para desequilíbrios bastante significativos, como as alterações climáticas, aumentos das temperaturas atmosféricas e oceânicas, chuvas intensas, como as observadas no Rio Grande do Sul, furacões como nos Estados Unidos e Japão, e períodos intensos de seca, como no DF, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Além disso, as queimadas em desequilíbrio se tornam incêndios, afetando a vegetação, animais, e a saúde pública, podendo inclusive causar problemas respiratórios graves.
É comum no Brasil a utilização da queimada em áreas rurais para a limpeza de vegetação de um terreno. Por ser um dos maiores produtores de commodities do mundo (matérias-primas básicas que se transformam em mercadoria), as áreas verdes necessárias para o cultivo desses produtos, como soja, café e animais de pasto, são desmatadas e queimadas para realizar o preparo do solo.
Para além da questão econômica, a prática também é utilizada por comunidades indígenas e quilombolas, por exemplo, para sua agricultura de subsistência. Não só isso, mas há a necessidade de queima prévia em determinadas áreas para evitar incêndio posterior, feita por equipe especializada e conforme às normas do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PrevFogo).
De acordo com o Código Florestal, existem as queimadas controladas, que podem ser:
I – em locais ou regiões cujas peculiaridades justifiquem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, mediante prévia aprovação do órgão estadual ambiental competente do Sisnama, para cada imóvel rural ou de forma regionalizada, que estabelecerá os critérios de monitoramento e controle;
II – emprego da queima controlada em Unidades de Conservação, em conformidade com o respectivo plano de manejo e mediante prévia aprovação do órgão gestor da Unidade de Conservação, visando ao manejo conservacionista da vegetação nativa, cujas características ecológicas estejam associadas evolutivamente à ocorrência do fogo;
III – atividades de pesquisa científica vinculada a projeto de pesquisa devidamente aprovado pelos órgãos competentes e realizada por instituição de pesquisa reconhecida, mediante prévia aprovação do órgão ambiental competente do Sisnama.
Portanto, essa prática não é totalmente proibida, mas por conta das mudanças climáticas que agravam seus impactos, ela acaba por se tornar não indicada na maioria dos casos.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), explica que alternativas ao uso do fogo devem ser levadas em consideração na prática de atividades agropecuárias, buscando assim a sustentabilidade ambiental, social e econômica.
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Quando as queimadas são consideradas crime?
As queimadas iniciadas pelo ser humano podem ser consideradas crime se:
- Estiverem a menos de 15 metros dos limites da faixa de segurança das linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica;
- Estiverem em uma faixa de 100 metros, ao redor da área de domínio de subestação de energia elétrica;
- Estiverem em uma faixa de 50 metros, ao redor das áreas de unidades de conservação ambiental;
- Estiverem em uma faixa de 15 metros de cada lado de rodovias estaduais e federais e de ferrovias;
- Queima de lixo doméstico, ainda que em propriedade particular;
- Causar fogo intencionalmente, de modo geral.
A secretaria estadual ou municipal do meio ambiente sempre deve ser consultada antes de iniciar uma queimada, pois se pode estar cometendo crime ambiental.
Onde as queimadas ocorrem principalmente?
No Brasil, as queimadas são comuns no Cerrado, bioma com um ciclo natural de seca que contribui para a geração espontânea de fogo. Por conta da redução da umidade ambiental enfrentada em dado período do ano, causas naturais acabam gerando fogo.
Tais causas podem ser através de raios, ou concentração de raios solares por pedaços de quartzo ou cacos de vidros em forma de lente.
No entanto, as secas prolongadas e altas temperaturas que observamos nos últimos anos, estão aumentando a frequência e gravidade das queimadas nesse bioma, que deixam de ser pontuais para se tornarem incêndios.
De acordo com a doutora em geociências Renata Libonati, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, de todos os incêndios que acontecem no Brasil, cerca de 1% é originado por raio. Todos os outros 99% seriam de ação humana.
Além do Cerrado, os outros principais biomas que lidam com as queimadas são o Amazônico e o Pantanal.
Na Amazônia, foi apenas em 1970, com a criação da Transamazônica, que o desmatamento iniciou no bioma. O desmatamento e as queimadas estão bastante atrelados, como dito anteriormente. Isso faz com que o fogo na Amazônia seja resultado de três fatores, chamado de triângulo do fogo: condições ambientais, material combustível e ignição.
As condições ambientais se referem ao clima momentâneo, se vai estar mais seco ou não. Esse período ocorre principalmente entre maio e outubro. O material combustível é a vegetação seca em abundância, que podem ser folhas, galhos caídos da copa das árvores e até árvores derrubadas. Por fim, a ignição, que é a fonte do fogo.
Já o Pantanal possui 84% do território conservado, sendo a maior área úmida de vegetação natural no mundo. No entanto, a combinação de alta temperatura e clima mais seco aumentou a possibilidade de inflamabilidade, nível que não estava tão alto desde 1980.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais de 2024, o bioma já registrou 3.262 focos de calor somente no primeiro semestre de 2024. É o pior índice de focos de calor desde 1988.
As causas das queimadas no Pantanal também podem estar associadas às atividades agropastoris.
Histórico de queimadas no Brasil
Nos últimos 39 anos, cerca de 68,4% das queimadas ocorreram em áreas de vegetação nativa, especialmente no Cerrado, onde a predominância de gramíneas e arbustos torna o bioma mais vulnerável ao fogo.
As áreas modificadas pelo homem, como pastagens, representaram 31,6% das queimadas, atingindo cerca de 62,9 milhões de hectares, com 50 milhões concentrados em pastagens.
No Brasil, o fogo está fortemente associado ao período seco que ocorre entre julho e outubro, quando 79% da área queimada acontece. Essa redução da umidade na vegetação durante esses meses facilita a propagação dos incêndios, agravando a situação ambiental na região. Dados da Coleção 3 do MapBiomas Fogo de 2024, revelam que 65% da área afetada pelo fogo foi queimada mais de uma vez em menos de 40 anos.
O pesquisador do IPAM, Felipe Martenexen, detalha que a repetição dos incêndios torna as florestas mais vulneráveis a novas chamas, estabelecendo um ciclo de degradação sem fim.
Segundo o pesquisador, esse fenômeno também impacta a fauna da região e eleva a emissão de gases de efeito estufa, agravando as mudanças climáticas. Fatores como práticas agrícolas inadequadas, desmatamento e alterações climáticas desempenham um papel significativo no processo de deterioração ambiental.
Impacto das queimadas
A fumaça proveniente de queimadas que não conseguiram ser absorvidas por vegetação nativa, se acumula sobre as regiões através de espessas camadas, causando danos ao meio ambiente e às pessoas.
Alguns impactos ambientais que observamos através das queimadas são a redução da biodiversidade, redução das possibilidades de desenvolvimento equilibrado da fauna silvestre, facilitação dos processos erosivos, e redução da proteção dos olhos d’água e nascentes.
Podem se tornar prejudiciais à saúde pública, e atingem principalmente crianças e idosos. Aspectos biológicos analisados nesses dois grupos preocupam quanto a resposta na inalação do chamado carbono negro, um componente do PM2.5, poluente microscópico que penetra profundamente nos pulmões e na corrente sanguínea.
Ele aumenta o risco de morte por doenças cardíacas e pulmonares, derrames e alguns tipos de câncer, fazendo com que milhões de pessoas morram prematuramente todos os anos.
Cerca de 20% da floresta amazônica foi perdida, principalmente na região do “arco do desmatamento”, que se estende do município de Paragominas, no Pará, até Rio Branco, no Acre.
De acordo com a Coleção 3 MapBiomas Fogo, o Pantanal foi o bioma que mais queimou proporcionalmente, 59% do território queimou pelo menos uma vez entre 1985 e 2023.
Também foi observado que entre 1985 e 2021, o Cerrado teve 44% do território queimado, principalmente ao norte do bioma.
Além disso, ainda existem poucos estudos que procuram investigar as consequências das queimadas para a saúde humana, mas algumas pesquisas já vêm sendo empregadas nesse sentido, algumas delas referenciadas ao final desse texto.
Veja também nosso vídeo sobre as queimadas no Pantanal e na Amazônia!
Como o Brasil lida com as queimadas?
A Lei 14.944, sancionada em 31 de julho de 2024, introduz importantes mudanças na legislação ambiental brasileira ao estabelecer a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo. Essa norma altera as Leis 7.735/1989 (Lei do Ibama), 12.651/2012 (Código Florestal) e 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais).
Com a nova lei, busca-se equilibrar o uso do fogo com a preservação ambiental e o combate a incêndios. Entre seus principais objetivos, conforme o artigo 5º, estão a prevenção de incêndios florestais, a mitigação de seus impactos e a promoção do uso controlado do fogo.
Adicionalmente, a lei estabelece mecanismos para uma governança integrada, envolvendo a União, estados e municípios, além de incentivar a participação da sociedade civil e do setor privado em ações coordenadas para o manejo do fogo.
Devido a atual situação no Brasil, deputados estão se mobilizando para enfrentar seca histórica e as queimadas descontroladas, com foco no aumento dos recursos orçamentários destinados ao combate às mudanças climáticas, penas mais severas para incêndios florestais criminosos, valorização dos brigadistas e ações emergenciais para proteger a saúde da população.
Em entrevista à Rádio Câmara, em 20 de setembro de 2024, o deputado federal Dorinaldo Malafaia (PDT-AP) apresentou o projeto de lei (PL 3645/24), que propõe aumentar as penas para queimadas intencionais.
Já o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, informou que a Polícia Federal abriu 5.300 inquéritos sobre suspeitas de incêndios florestais criminosos e também pediu o endurecimento das penas.
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Referências
- Emissões de queimadas em ecossistemas da América do Sul
- As queimadas na região amazônica e o adoecimento respiratório
- Projeto MapBiomas – Mapeamento das áreas queimadas no Brasil entre 1985 a 2023 – Coleção 3
- Câmara dos deputados – Nova lei define regras para uso do fogo em áreas rurais
- IBAMA – Queima controlada
- IPAM -Tudo o que você queria saber sobre fogo na Amazônia, mas não sabia para quem perguntar
- Defesa civil estadual do RJ – Incêndios florestais – O que é?
- Expert XP – O que são commodities? Confira o guia completo
- Agência Brasil – Queimada no Pantanal persiste mesmo após proibição de manejo do fogo
2 comentários em “O impacto das queimadas no Brasil e os desafios para o futuro”
reportagem muito, mas, muito boa mesmo, parabenz a todos pela iniciativa de trazer aos brasileiros essa informação fantástica e muito pertinente!
interessante a explicação mas gostaria de ver sobre como isso atinge a população na questão do racismo ambiental e como os grupos sociais reagem