O mercado de nas contratações governamentais (licitações) move milhões de reais em contratos. Assim, a busca pela eficiência nessas contratações, atrelada à legalidade e à impessoalidade, é um desafio constante na história da Administração Pública brasileira. Em quase 30 anos da Lei Geral de Licitações e Contratos administrativos (Lei 8666/93) não faltaram debates de como prover o processo licitatório de mais agilidade ao mesmo passo que sejam garantidas a moralidade, a economicidade e a qualidade dos gastos públicos.
Saiba mais: Em nosso texto sobre licitações nós explicamos como funcionam essas contratações governamentais. Caso você ainda não conheça, é importante dar uma olhada por lá para entender melhor esse texto.
A transição para um “novo” regime de licitações se iniciou no 1º de abril de 2021 pela promulgação da Lei Federal nº 14.133/2021 (nova Lei Geral). Antes da edição da nova lei de licitações, contudo, a modernização das licitações e tentativa de desburocratizar os processos foi buscada através do Regime Diferenciado de Contratação (RDC). É dele que trataremos nesse texto.
Quando surgiu o RDC?
O Governo Federal aprovou em 2011 a Lei Federal nº 12.462, que implantou o RDC. Diferentemente da Lei n° 8.666/93, que possui caminho pouco flexível, o RDC trouxe significativa quantidade de opções durante o processo licitatório como, por exemplo: inversão de fases, novos modos de disputa, forma eletrônica ou presencial, contratação simultânea, sigilo no orçamento, pré-qualificação dos concorrentes, dentro outros.
E não é só: as primeiras experiências bem-sucedidas motivaram a sua amplitude de aplicação. Atualmente, o RDC pode ser utilizado para Licitações e contratos necessários à realização de obras e serviços de engenharia diversos, como as ações de modernização, construção, ampliações ou reformas diversas. Podemos citar como exemplos obras de prevenção e recuperação de desastres, bem como obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Público Educacional ou do Sistema Único de Saúde.
Tato foi o sucesso que os termos do RDC foram muito considerados para a reforma do sistema de licitações e contratos administrativos brasileiro, culminando na absorção, pela Lei Federal nº 14.133/2021, de relevante parte das inovações trazidas pela RDC a todo e qualquer tipo de contratação pública.
Mas afinal, o que é o RDC?
Trazido pela Lei Federal nº 12.462/2011, o RDC foi criado com um objetivo bastante específico: contratações de obras e serviços necessários aos eventos esportivos que seriam realizados no Brasil (Copa das Confederações de 2013, Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas Rio 2016), conforme incisos originais do art. 1º da Lei (incisos I ao III).
A sua finalidade era exclusiva para este fim e seu objetivo era trazer maior eficiência e transparência nas contratações. Assim, passados estes eventos esportivos, não haveria mais cabimento o uso do RDC e ele perderia sua validade em 2016.
Porém, logo após ser publicada, a Lei do RDC começou a sofrer significativas alterações para aumentar a sua abrangência, permitindo, assim, o seu uso após o fim dos eventos esportivos acima citados. Com tais ampliações, o RDC passou a ter status de modalidade permanente de licitação pública e pode ser adotado, por exemplo, em:
- Ações integrantes do Programa de Aceleração de Investimentos – PAC;
- Obras e serviços de engenharia do sistema público de ensino;
- Obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS;
- Obras e serviços para estabelecimentos penais ou para unidades de atendimento socioeducativo;
Quais são as vantagens do RDC?
Muitas vezes as modalidades tradicionais de licitação, regidas pela Lei n° 8.666/93, tinham um procedimento muito lento e burocrático. Assim, o RDC veio como alternativa mais eficiente, eficaz, ágil e transparente.
Para trazer mais agilidade ao processo licitatório, o RDC oferece alguns mecanismos exclusivos para este fim, ainda que alguns deles tenham sido incorporados posteriormente a outras modalidades de licitação. Dentre esses mecanismos inovadores, mencionamos como os principais:
- a inversão da ordem das fases de habilitação e de julgamento (ou seja, primeiro ocorrem os lances e posteriormente a habilitação documental e jurídica do concorrente, diminuindo a burocracia e reduzindo o custo dos participantes);
- o estímulo à informatização do processo licitatório, com vistas a acelerar os procedimentos e torná-los mais transparentes;
- a obra deve ser entregue no prazo e no preço contratados, em condições imediatas de operação, vedado qualquer aditivo por falha na elaboração e execução dos projetos;
- possibilidade de utilização da remuneração variável, instituindo prêmios e sanções pecuniárias para o contratado conforme o grau de atendimento das condições estabelecidas no edital e efetivamente contratadas;
- sigilo do orçamento entre os participantes da licitação. Este ponto trouxe bastante discussão e debate pois a publicidade é princípio constitucional. Todavia, a justificativa para manter o sigilo era evitar conluio e outras práticas anticoncorrenciais;
- fase recursal única, ao final de todo o processo, economizado tempo e reduzindo as possibilidades de manobras protelatórias pelos participantes ou interessados;
- Indicação de marca e modelo específicos desde que haja justificativa. As hipóteses de preferência de marca/modelo estão previstas no art. 7° , inciso I, alíneas “a”, b” e “c”: a) em decorrência da necessidade de padronização do objeto; b) quando determinada marca ou modelo comercializado por mais de um fornecedor for a única capaz de atender às necessidades da entidade contratante; ou c) quando a descrição do objeto a ser licitado puder ser mais bem compreendida pela identificação de determinada marca ou modelo aptos a servir como referência, situação em que será obrigatório o acréscimo da expressão “ou similar ou de melhor qualidade”; e
- Instituição do Contrato de Eficiência, sendo um contrato de risco em que o contratado pode receber um “bônus” quando atinge metas estipuladas no contrato. Esta remuneração extra se dá em virtude da economia que a empresa gerar para a Administração. Portanto, vincula-se ao percentual do benefício obtido e, caso este não seja alcançado, a remuneração pode ser reduzida ou, ainda, sofrer sanções por inexecução do contrato.
O RDC e a COVID-19
Não é novidade que o período de calamidade pública ocasionado pela pandemia de Covid-19 trouxe urgência na tomada de decisões, o que interferiu diretamente nas contratações públicas.
Com o objetivo de aumentar e eficiência e assegurar mais instrumentos de negociação durante o período de calamidade, o rol para o uso do RDC foi ampliado novamente, agora com a publicação da Medida Provisória (MP) n° 961, em 6 de maio de 2020. A partir daí, o RDC passou a ser utilizado em todos os tipos de contratação durante o período de pandemia, seja para contratações de obras e serviços seja para alienações e locações (art. 1º, III, MP 961/2020).
Além da nova regra, a MP 961/2020 trouxe também alterações aos limites de dispensa de licitação e autorizou a realização de pagamentos antecipados nas licitações e contratos durante a pandemia.
Esta MP se aplica às contratações realizadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n° 6, de março de 2020 aos contratos firmados neste período, bem como suas prorrogações. A MP foi convertida pelo Congresso Nacional em Lei Federal em 30 de setembro de 2020, recebendo o número 14.065/2020.
A nova lei de licitações e a fase de transição
Com a promulgação da Lei Federal nº 14.133, em 1º de abril de 2021, ocorreu a alteração e a unificação dos três principais regimes gerais de licitações e contratos que até então coexistiam: o regime geral previsto pela Lei Federal nº 8.666/93, o Pregão previsto pela Lei Federal nº 10.520/2002 e o RDC, da Lei Federal nº 12.462/2011.
Contudo, o art. 191 da Lei Federal 14.133/2021 prevê que a Administração Pública licitante poderá, até o dia 1º de abril de 2023, adotar os regimes anteriores, por ser período importante ao desenvolvimento de profundos e relevantes estudos e adaptações da Administração às novas regras e consolidações.
Por isso estes comentários ao RDC mantêm sua relevância: seu uso pela Administração pode ocorrer em todas as licitações abertas até o dia 1º de abril de 2023, sendo que tais contratos serão regidos pelo RDC até o seu termo (art. 191, Parágrafo único, Lei 14.133/2021); além disso, como já dito, as inovações trazidas pelo RDC influenciaram na elaboração do Novo Regime Geral de Licitações e Contratos Administrativos, pelo que seu estudo continua de grande relevância prática.
Conclusão
Assim como o Pregão, o Regime Diferenciado de Contratação também é uma alternativa mais célere e que apresenta boas oportunidades de negócio.
A possibilidade de utilizar o RDC em contratações é útil para a Administração, que tem acesso a um procedimento mais ágil e eficiente, e para as empresas, que participarão de um procedimento transparente, e que permite a consecução de contratos mais complexos com maior segurança jurídica e eficácia.
Suas vantagens são tão evidentes que o RDC se tornou o regime de contratação preferencial durante o período de calamidade pública, para diversos tipos de contratações neste período. Essa relevância é destacada pela promulgação da Lei Federal nº 14.133, de 1º de abril de 2021, na qual se verifica que as inovações trazidas pelo RDC passarão a irradiar sobre grande parte das contratações públicas que serão realizadas sob o novo regime.
Referências:
BRASIL. Ministério da Economia. Regime Diferenciado poderá ser utilizado em todos os tipos de contratação durante a pandemia. Disponível em <https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2020/maio/regime-diferenciado-podera-ser-utilizado-em-todos-os-tipos-de-contratacao-durante-a-pandemia>. Brasília (DF): gov.br, 11 mai. 2020. Acesso em 3 abr. 2021.
GANDOLFI, Paula. O que é Regime Diferenciado de Contratação. Disponível em <https://www.rcc.com.br/blog/o-que-e-regime-diferenciado-de-contratacao/>. Itajaí (SC): RCC, 23 ago. 2019. Acesso em 3 abr. 2021.
BRASIL. Ministério da Casal Civil. Tire suas dúvidas sobre o Regime Diferenciado de Contratações (RDC). Disponível em <https://casa-civil.jusbrasil.com.br/noticias/2776614/tire-suas-duvidas-sobre-o-regime-diferenciado-de-contratacoes-rdc>. Brasília (DF): JusBrasil, 2011. Acesso em 3 abr. 2021.
MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação Pública: A Lei Geral de Licitação – LGL e o Regime Diferenciado de Contratação – RDC. 2ª ed. São Paulo (SP): Malheiros, 2015, 720 p.