Em abril de 2017, o Congresso avaliou um pedido para que o projeto da reforma trabalhista fosse votado em regime de urgência. Isso faria muita diferença porque o projeto ganharia prioridade sobre outros e assim seria votado mais rapidamente. Como a reforma é considerada essencial pelo governo Temer, havia muito interesse no regime de urgência. Neste post, falaremos sobre os diferentes regimes de tramitação e suas particularidades
Na primeira tentativa, o pedido foi negado pelos deputados. Mas no dia seguinte, o presidente da Casa, Rodrigo Maia, colocou a questão novamente em pauta. Na segunda votação, vitória: a urgência foi aprovada. Essa “manobra” de Maia foi criticada e suscitou comparações com os tempos de Eduardo Cunha (presidente da Câmara entre 2015 e 2016), em que certos projetos derrotados eram reinseridos na pauta e aprovados em seguida (a PEC da maioridade penal foi um exemplo).
O detalhe para o qual queremos chamar atenção com esse episódio é: existem diferentes regimes de tramitação para os projetos que tramitam na Câmara – e eles fazem a diferença. Não deixa de ser uma necessidade a existência desses regimes: com milhares de projetos criados e apresentados todos os anos na Câmara, é essencial priorizar. Mas no fundo, esses regimes determinam se um projeto é ou não prioritário para os parlamentares e para o governo em determinado momento. Na Câmara dos Deputados, esses regimes estão definidos no capítulo VI do regimento interno, a partir do artigo 151. Confira em detalhes:
1) REGIMES DE TRAMITAÇÃO – REGIME DE URGÊNCIA
O regime de urgência envolve “a dispensa de exigências, interstícios ou formalidades regimentais“, segundo o artigo 152. Ou seja, são deixadas de lado as formalidades para que se possa ir direto ao ponto. Livre das etapas formais, o projeto é apreciado mais rapidamente pelos deputados.
O regime de urgência pode ser usado em vários casos. Por uma questão de bom senso, projetos como declaração de guerra, celebração de paz, envio de tropas para o exterior e outras questões ligadas a situações de guerra devem tramitar nesse regime. Acordos internacionais também tramitam automaticamente com urgência.
Os projetos de iniciativa do presidente também serão urgentes sempre quando ele pedir. Essa possibilidade está prevista na própria Constituição, no artigo 64. Lá está previsto, inclusive, que se Câmara e Senado não se manifestarem sobre o projeto urgente da presidência, ela passa a trancar a pauta (ou seja, tem prioridade sobre todas as demais matérias), o que acontece também com as medidas provisórias. A urgência também é aplicada quando presidente e/ou vice pedem autorização para se ausentar do país.
Finalmente, os próprios deputados podem determinar que um projeto é urgente, nas hipóteses previstas no artigo 153 do regimento:
1) quando a matéria envolver “a defesa da sociedade democrática e das liberdades fundamentais”;
2) quando o projeto for relacionado a calamidade pública;
3) quando visar à prorrogação de prazos legais a se findarem, ou à adoção ou alteração de lei que seria aplicada em época certa e próxima;
4) se a intenção é apreciar a matéria na mesma sessão.
Mais importante ainda é o artigo 155, que prevê que a urgência pode ser solicitada pela maioria absoluta dos deputados (257) ou de líderes partidários que representem esse mesmo número de deputados. O pedido é então submetido ao plenário, onde precisa novamente da maioria absoluta para ser aprovado (257 votos).
Limites
Agora, já imaginou se os deputados pedissem urgência para dezenas e dezenas de projetos de uma vez só? O regime de urgência perderia o sentido de ser, certo? Foi pensando nisso que se previu no artigo 154 que apenas dois projetos pedidos pelos deputados podem tramitar com urgência simultaneamente.
Para projetos urgentes, as comissões têm até 5 sessões para apreciação e aprovação. Depois disso, precisam ir a plenário.
2) REGIME DE PRIORIDADE
O regime de prioridade consiste na “dispensa de exigências regimentais para que determinada proposição seja incluída na Ordem do Dia da sessão seguinte, logo após as proposições em regime de urgência“. Ou seja, os projetos que tramitam com prioridade não possuem tanta prioridade assim, já que os projetos urgentes têm preferência sobre eles.
Segundo o regimento da Câmara, tramitam com prioridade todos os projetos iniciados por pessoas ou instituições que não sejam os próprios deputados (aliás, vale conferir este post sobre quem pode propor um projeto de lei):
- Presidente da República (quando não pedir urgência);
- Senado Federal;
- Ministério Público;
- Poder Judiciário;
- e cidadãos (iniciativa popular).
Além desses, ainda há muitos projetos que recebem prioridade, a depender do tipo e conteúdo. Vejamos alguns deles:
- Projetos de lei complementar ou ordinária que regula algum dispositivo da Constituição;
- Projetos de lei com prazo determinado;
- De regulamentação das eleições;
- de alteração do próprio regimento interno.
Projetos de órgãos da Câmara também possuem prioridade:
- Mesa Diretora;
- Comissões permanentes ou especiais;
Finalmente, o próprio autor da proposição, se apoiado por 10% dos deputados (ou por líderes que representem essa proporção de deputados), também ganha prioridade.
Nas comissões, os projetos recebem prazo de 10 sessões para serem apreciados.
Leia mais: afinal, por que alguns projetos tramitam durante décadas no Congresso?
3) TRAMITAÇÃO ORDINÁRIA
O último dos regimes de tramitação é tido como o comum. A tramitação é ordinária para qualquer projeto que não se encaixe em alguma das condições dos outros regimes. Nesse caso, o processo legislativo, com todas as suas etapas e formalidades, é aplicado detalhadamente. Nas comissões, a tramitação ordinária pode durar até 40 sessões, a partir do momento em que o projeto é colocado em pauta na ordem do dia.
Resumindo
A depender das prioridades do governo e sua base aliada na Câmara e no Senado, alguns projetos de lei podem passar voando pelas comissões e serem apresentadas rapidamente no plenário – inclusive passando na frente de outros que estavam na fila. Basta o presidente pedir a urgência, ou então os próprios deputados aprovarem um pedido do tipo.
Por outro lado, se ninguém vir urgência, o projeto tem grandes chances de ficar estacionado por muito tempo.
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Referências
Regimento Interno da Câmara dos Deputados – Agência Câmara: regimes de tramitação – El País Brasil: reforma trabalhista aprovada na segunda votação – Instituto de Relações Governamentais: “Procedimentos formais e informais para votação de proposições em regime de urgência nas Casas Legislativas”