O cuidado com o dinheiro público é o que todo cidadão espera dos seus governantes. Em resumo, responsabilidade fiscal significa utilizar os recursos públicos da melhor forma possível, com zelo e eficiência.
No Brasil, para que a gestão pública buscasse aplicar na prática os mecanismos necessários ao uso da máquina pública com responsabilidade fiscal, foi criada uma lei. A Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, representou um grande avanço neste sentido.
É sobre esta lei que iremos tratar neste artigo. Quais foram suas origens? Quais os pilares que fundamentam esta lei? Quem deve seguir esta lei? Existem punições? Estas questões serão abordadas a seguir.
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Responsabilidade Fiscal: amplitude do conceito
Responsabilidade fiscal não significa gastar menos do que se gera de receitas. Ter menos despesas ou obter mais receitas não indica uma boa qualidade na gestão fiscal.
Por exemplo, se o Estado arrecada muitos tributos dos cidadãos, ele pode prejudicar as pessoas com o excesso de tributação. De outro modo, se o Estado não utiliza adequadamente seus recursos, isso pode resultar em vias públicas sem calçadas acessíveis, escolas sem merenda, hospitais sem médicos ou viaturas da polícia sem combustível, por exemplo.
Por isso, ser responsável com o dinheiro público parece algo muito subjetivo, ou seja, algo difícil de avaliar de uma forma objetiva ou com critérios calculáveis.
Tudo perpassa pelo equilíbrio entre receitas e despesas. A própria Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) resume muito bem esta questão no seu primeiro artigo:
Art. 1º – A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições […]. (grifo nosso)
Por isso, veremos a seguir que três dos pilares da LRF são planejamento, transparência e controle. Um bom planejamento permite prevenir riscos possíveis, manter o equilíbrio das contas e o atingimento de metas. Um controle adequado corrige desvios. A transparência possibilita que todo o cidadão também possa exercer controle e fiscalizar.
Responsabilidade Fiscal: fatos históricos
Na década de 90, muitos países passaram por dificuldades, as quais afetaram as contas públicas. Não havia dinheiro suficiente para atender as necessidades da sociedade.
Inclusive, neste contexto se desenvolveram várias ideias neoliberais, como, por exemplo, a necessidade de transferir mais responsabilidades à iniciativa privada por meio de concessões públicas.
Diante deste cenário desafiador, muitos países passaram a adotar mais mecanismos de governança pública e implementaram leis para tratar de responsabilidade fiscal no uso dos recursos públicos.
Essas leis buscavam definir parâmetros para que os gestores pudessem se basear para gerir a máquina pública, com mecanismos capazes de auxiliar no cuidado com o dinheiro público.
Para reduzir seus déficits orçamentários (isso ocorre quando há mais despesas do que receitas no orçamento, como consequência, o país precisa pedir um financiamento para quitar suas despesas, ou seja, endivida-se), os Estados Unidos, em 1990, por meio de seu Congresso Nacional, aprovou o Budget Enforcement Act of 1990.
Na Europa, foi assinado o Tratado de Maastricht, em 1992. Além de ser responsável pela criação da União Europeia (a partir da chamada Comunidade Europeia), o tratado também trouxe regras para preservar o equilíbrio fiscal dos participantes, inclusive, com metas para manter estável a relação entre dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) dos países-membros.
Por sua vez, a Nova Zelândia aprovou, em 1994, sua lei: Fiscal Responsability Act. Em tradução livre significa: Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo o Tesouro Nacional da Nova Zelândia, a Lei possui três elementos principais:
- As suas disposições especificam um conjunto de princípios de responsabilidade na gestão fiscal e na condução da política fiscal;
- As suas disposições exigem relatórios públicos regulares elaborados pelos governos sobre suas intenções de curto prazo e objetivos, e até que ponto esses objetivos e intenções são consistentes com os princípios de responsabilidade na gestão fiscal;
- As suas disposições preveem relatórios econômicos e fiscais do Tesouro, expedidos de modo regular e independente, incluindo: uma declaração sobre a posição fiscal de longo prazo pelo menos a cada quatro anos; uma declaração de investimentos em balanço da Coroa pelo menos a cada quatro anos; e atualizações na época do orçamento, entre orçamentos e no período pré-eleitoral.
No Brasil, o excesso burocrático, a inflação alta e os problemas com a moeda, primeiramente, culminaram na criação do Plano Real. Logo depois, o governo editou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), com o objetivo de trazer mais eficiência à gestão pública.
Pouco tempo depois, houve a aprovação da Emenda Constitucional nº. 19, de 4 de junho de 1998. Além de incluir o princípio da eficiência na Constituição, esta emenda dava um prazo de 180 (cento e oitenta) dias para o governo criar uma lei sobre finanças públicas.
Assim surge a Lei de Responsabilidade Fiscal quase 2 (dois) anos depois. Aprovada em 4 de maio de 2000, a LRF é um marco na melhoria do planejamento, gestão e controle da Administração Pública. Também foram criadas punições no Código Penal para os crimes contra as finanças públicas.
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Posteriormente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) também teve influência no aprimoramento da LRF ao emitir o Código de Boas Práticas para a Transparência Fiscal, em 2007. O objetivo da organização internacional era fomentar a transparência. O resultado foi a edição da Lei de Acesso à Informação e alterações na LRF pela Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009.
Os quatro pilares da Lei de Responsabilidade Fiscal
São quatro os pilares ou as premissas básicas da Lei de Responsabilidade Fiscal vigente no Brasil: planejamento, transparência, controle e responsabilização. A ordem não faz, necessariamente, diferença, já que a ideia dos pilares é qualificar a gestão.
Em se tratando de planejamento, a LRF trouxe mais requisitos à Lei Orçamentária (LOA) e à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
A LOA passaria a conter novos demonstrativos para auxiliar em sua construção. Sem informações úteis, fica difícil planejar, não é mesmo? Além disso, esta lei passava a conter a reserva de contingência.
A reserva de contingência é um percentual do orçamento destinado a cobrir os chamados passivos contingentes e os riscos fiscais. Resumidamente, esses passivos e riscos são possíveis de ocorrer durante um determinado ano, mas não se pode precisar quando e muitas vezes nem o quanto será gasto com eles (por exemplo, uma disputa judicial contra algum Município).
Já a LDO, teria mais uma série de disposições a respeito. Caberia a ela, tratar de controle de custos, regras para cortes de despesas (limitação de empenhos), relatórios de evolução patrimonial do ente, demonstrativos sobre renúncia de receitas e sobre margem de expansão das despesas, por exemplo.
Para a LRF, “constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação”.
Muitos entes federativos possuíam leis tributárias e não as aplicavam. Com a LRF, isso passa a ser essencial. Inclusive, os que deixarem de prever e arrecadar seus impostos, não receberão mais as chamadas Transferências Voluntárias.
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A transparência foi ampliada. Agora, o cidadão tem acesso aos planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; às prestações de contas e ao respectivo parecer prévio; ao Relatório Resumido da Execução Orçamentária e ao Relatório de Gestão Fiscal; e às versões simplificadas desses documentos.
Além disso, a alteração na LRF feita pela Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009, foi um marco inicial na criação dos Portais de Transparência. Com sua entrada em vigor, cabia aos entes a liberação, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público.
Na ótica do controle, limites foram estabelecidos para despesas com pessoal (agentes políticos, servidores, comissionados, etc.), para o endividamento público (financiamento, empréstimos, etc.), para a renúncia de receitas (benefícios fiscais, subsídios, perdão de débitos tributários, etc.) e outras finalidades.
O cumprimento de metas fiscais e o acompanhamento da execução orçamentária ganharam novas regras legais. Outros cuidados foram implementados para as disponibilidades em caixa (dinheiro depositado nos bancos) e para a preservação do patrimônio público.
A responsabilização dos gestores passou a ser exigida em determinados casos, sob pena de prisão e multa nos casos de crimes contra as finanças públicas, além da possibilidade de cometimento de infração contra as leis de finanças públicas (ambos de acordo com a Lei nº. 10.028, de 19 de outubro de 2000).
Há também efeitos sobre o próprio ente em caso de descumprimento dos limites da LRF. Por exemplo, o ente pode ficar sem receber transferências voluntárias ou sem a possibilidade de dar aumentos salariais aos servidores ou de realizar novas operações de crédito (pedidos de empréstimo).
Note que os pilares fundamentais desta lei possuem uma enorme relação com o zelo e eficiência no uso do dinheiro público.
Planejar direito para não gastar de modo errado. Ter transparência para que o próprio cidadão possa fiscalizar o órgão. Submeter-se a controles para redução dos riscos e correção de desvios. Por fim, responsabilizar aqueles que tomaram condutas incorretas para que sirva de lição para futuros gestores. Esses são os pilares da LRF.
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Quem deve cumprir a LRF?
A Lei de Responsabilidade Fiscal se aplica a todos os entes federativos (à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios), a todos os Poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário), ao Ministério Público (em todas as esferas), aos Tribunais de Contas e às Defensorias Públicas.
Para os conhecedores do direito administrativo, em suma, a Lei se aplica a toda a administração direta (órgãos, fundos, autarquias e fundações) e em parte da administração indireta (apenas sobre empresas estatais dependentes).
As empresas estatais independentes são aquelas cuja maioria do capital com direito a voto pertence a um ente federativo, mas que possuem recursos suficientes para se manterem, por isso, não se submetem à LRF. A Petrobras e a Caixa Econômica são exemplos de estatais independentes.
A própria LRF explica que, para ser dependente, a estatal deve receber do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária.
São exemplos de estatais dependentes da União: a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), a Imbel (Indústria de Material Bélico do Brasil) e a EBC (Empresa Brasil de Comunicação).
Você Sabia?
- Você pode acompanhar todas as informações do seu ente nos Portais de Transparência e, caso falte alguma informação, solicitar os dados por meio de pedido de informações com base na Lei de Acesso à Informação;
- Outra ferramenta importante é o Siconfi (Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro), administrado pela Secretaria do Tesouro Nacional. Nele você pode encontrar os Relatórios de Gestão Fiscal e outras informações relevantes;
- A Fundação Getúlio Vargas (FGV) possui um observatório de política fiscal para consulta e existem vários outros observatórios na internet com vários temas relacionados à gestão pública e responsabilidade fiscal;
- A LRF trata de limites para despesas com pessoal, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia;
- A previsão das receitas para a elaboração do orçamento deve seguir normas técnicas e legais e considerar os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante;
- A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de estimativa do impacto orçamentário-financeiro e de declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a Lei Orçamentária e é compatível com a Lei Diretrizes Orçamentárias e o Plano Plurianual.
A responsabilidade fiscal exige a participação do cidadão. Sem o controle popular, a transparência não é útil. Gostou de saber mais sobre a LRF? Já está mais preparado para fiscalizar?
Referências:
- Elmitho Ferreira dos Santos Filho – Atuação dos Tribunais de Contas para o Cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e sua Importância para as Punições Fiscais e Penais;
- Government Accountability Office (GAO) – Budget Issues: Compliance With the Budget Enforcement Act of 1990;
- New Zealand Government (The Treasury) – An Introduction to New Zealand’s Fiscal Policy Framework;
- Parlamento Europeu – Tratado da União Europeia (TUE) / Tratado de Maastricht;
- Planalto – Emenda Constitucional nº. 19, de 4 de junho de 1998;
- Planalto – Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000;
- Planalto – Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009;
- Planalto – Lei nº. 10.028, de 19 de outubro de 2000;
- Politize – Lei de Responsabilidade Fiscal: o que é?;
- Senado – LRF;
- Tesouro Nacional – Execução Orçamentária e Financeira: Lei de Responsabilidade Fiscal.