Em 29/03/2016, o diretório nacional do Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) realizou uma reunião em que tomou uma decisão importantíssima: retirou definitivamente o apoio ao governo da presidente Dilma. O desembarque do maior partido da base aliada do governo foi considerado um golpe duro para o Partido dos Trabalhadores (PT), afinal, como veremos neste texto, no Brasil é quase inviável governar sem o apoio de uma ampla coalizão de vários grupos políticos influentes.
A importância das coalizões no sistema partidário brasileiro
As eleições são de fato o momento decisivo de uma democracia, quando são eleitos governantes e representantes do povo, conferindo-lhes a autoridade para governar. Mas a luta para que o governante possa realmente governar não para nas urnas: continua quase diariamente ao longo de todo seu mandato. O governo precisa provar a todo momento que tem legitimidade para estar na posição a que chegou, conquistando assim o apoio de grupos políticos importantes.
É aí que entra a importância das relações entre os partidos e grupos políticos no Brasil. Temos no momento 35 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um número elevado e que torna nosso sistema partidário extremamente fragmentado. O Congresso Nacional abriga deputados de praticamente todas essas filiações partidárias. Ocorre que presidente, para governar, precisa que muitas de suas determinações sejam aprovadas por esse Congresso fragmentado. O processo legislativo, que você pode desvendar em detalhes na nossa trilha de conteúdos, envolve sempre votações nas duas Casas Legislativas.
Qual o resultado dessa necessidade do governo de conseguir apoio no Congresso? A formação de grandes coalizões suprapartidárias. É por isso que o nosso sistema político-partidário é chamada presidencialismo de coalizão.
A questão é que não se constrói uma coalizão sem fazer concessões. Um partido como o PMDB, com uma expressiva presença na Câmara e no Senado, além de grande representação nos níveis estadual e municipal, tem grande poder de barganha frente ao governo, afinal pode oferecer os votos de dezenas de deputados, consolidando o apoio que o governo tanto precisa para viabilizar a aprovação e execução de seus projetos. Em troca, o partido que se alia ao governo pode garantir inúmeros cargos em ministérios, além de outros benefícios, e assim marcar presença dentro do governo.
Raio-X do PMDB
Foto: Célio Azevedo (24/04/1984)
O PMDB é um dos mais antigos partidos brasileiros em atividade (foi registrado em 1980). Foi derivado do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição na ditadura militar e que abrigou grande parte das lideranças políticas no período de redemocratização do Brasil, ao longo da década de 1980. Não à toa, dos seis presidentes da República eleitos desde 1985, apenas dois (Lula e Dilma) não possuem histórico de filiação ao partido. Por outro lado, curiosamente, o partido não elegeu diretamente nenhum desses presidentes.
Depois da volta da democracia, o partido se manteve extremamente influente. Mas apesar de muito grande, a sigla passou a ser vista mais como uma grande associação de diversos “caciques” políticos regionais – e com essas forças difusas dentro do partido, é normal existirem (grandes) desavenças internas.
Assim, ao longo dos governos que se seguiram, o PMDB teve sempre alas de apoiadores do governo e alas de oposição. Foi assim nos governos de Fernando Henrique Cardoso: apesar de o partido oficialmente manter-se como oposição, uma parte dele apoiou o governo, e assim manteve a titularidade em dois ministérios no período FHC.
No segundo ano do governo Lula, em 2004, o partido passou a integrar a coalizão governista (novamente, os rachas internos continuaram a existir), recebendo em troca três ministérios: Comunicações, Minas e Energia e Previdência Social. Não integrou a coligação eleitoral que reelegeu Lula, em 2006, mas continuou apoiando seu governo e chegou a comandar seis pastas na época. Já nas eleições de 2010 e 2014, formalizou a participação na coligação eleitoral do PT, o que rendeu nos governos de Dilma a presença em sete ministérios.
O tamanho do PMDB
Alguns números são suficientes para entender o porquê da influência do PMDB no cenário político brasileiro. Vamos ver:
- O partido ainda ostenta a maior filiação do Brasil: são mais de 2,5 milhões de filiados
- Possui sete governadores, mais do que qualquer outro partido
- São 65 deputados federais peemedebistas, além de 17 senadores (maiores bancadas do Congresso)
- O PMDB elegeu mais de mil prefeitos em 2012 (o Brasil possui cerca de 5 mil municípios), o que revela o peso da sigla no nível regional
- Possuía titulares em sete dos 31 ministérios do governo Dilma, além de mais de 600 cargos ocupados no segundo escalão do governo (dos quais abrirá mão se retirar formalmente o apoio à presidente)
- Possui a vice-presidência da República; assim, herdará o governo em caso de impeachment ou renúncia de Dilma
O que acontece agora que o PMDB saiu do governo?
A base aliada fica bastante minguada e crescem as chances de viabilização do impeachment da presidente. Veja algumas projeções da base de apoio do governo Dilma, de acordo com a bancada dos partidos que restam na coalizão governista:
- 216 deputados governistas na Câmara; no início do governo, havia cerca de 300 deputados na base aliada. Para barrar o processo de impeachment, por exemplo, são necessários 171 votos na Câmara, mas boa parte dos partidos da base já liberaram seus membros para escolher livremente nesse caso, o que pode ser um problema para o governo.
- Apenas 26 senadores pró-governo: é preciso ter 27 votos para barrar uma condenação de Dilma pelo Senado por crime de responsabilidade.
Além disso, o PMDB entregou sete pastas e mais de 600 cargos de alto escalão no Governo Federal.
Ainda se especula que outros partidos podem ser influenciados pela saída do PMDB do governo, optando por seguir o mesmo caminho. É o caso de PSD, PP, PR e PTB. Esses partidos possuem mais de uma centena de deputados na Câmara, o que pode ser decisivo para o processo de impeachment.
Saiba tudo sobre o passo a passo do impeachment
E como o governo Dilma tentou contornar essa situação?
Como mencionado anteriormente, o PMDB é um partido muito grande, fracionado em torno de várias lideranças políticas. A saída do governo não é unanimidade. É possível que o governo ainda tente negociar separadamente com alguns grupos dentro do partido. Essa é uma possibilidade que o próprio ex-presidente Lula levantou em entrevista a jornalistas estrangeiros. Dessa forma, mesmo sem o apoio formal da direção do PMDB, alguns deputados ainda poderiam se manter do lado governista.
A decisão também não reflete necessariamente a vontade dos ministros peemedebistas, que devem deixar os seus cargos. Existe a possibilidade de alguns desses ministros saírem do partido para poder continuar nos ministérios. Além disso, os cargos que de fato forem desocupados podem ser usados como moeda de troca para os demais partidos que ainda estão na base aliada, a fim de evitar sua saída.