Nas discussões do pós-Guerra Fria e do desenvolvimento humano, a segurança humana surgiu como um conceito abrangente e inclusivo. Este é um conceito importante por enfatizar outros objetos de referência que não os interesses estatais, como os indivíduos.
Nesse contexto, é fundamental entender a relevância desse tema, na medida em que o conceito proporciona a emancipação do ser humano enquanto um ator de segurança e incentiva a preocupação com novas questões, centradas no individuo, como os Direitos Humanos.
Por isso, nesse texto você irá compreender o que é segurança humana, como o conceito surgiu e foi popularizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), sua importância e utilização. Vamos lá?
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O que é segurança humana?
A ideia de segurança humana é composta por duas partes principais e indissociáveis: o desenvolvimento e a proteção dos indivíduos. Está relacionada a uma preocupação direta com os indivíduos, a qual ressalta a primazia dos Direitos Humanos e das necessidades humanas básicas.
O conceito engloba a noção de que a segurança vai além do mero sentido físico, destacando que a segurança dos cidadãos é de primordial importância e que não deve ser vista como indivisível do Estado, por que isso teria o efeito de marginalizar a proteção dos indivíduos. Visto que essa premissa traz o entendimento de que muitas vezes os próprios Estados são fontes de ameaças à segurança individual.
Como resultado dessas preocupações, o conceito promove a ampliação da visão das abordagens tradicionais de segurança, que antes apontavam para uma rigidez militar e estatal. Destacando a necessidade de incluir outras agendas na análise do sistema, capazes de, em um novo cenário, abranger novos tipos de ameaças, além das físicas, e proteger uma nova gama de valores.
Dessa forma, prover segurança humana se traduz em iniciativas para a construção de um ambiente seguro para o desenvolvimento humano. Pode ser entendida, ainda, como uma abordagem que tem como foco perceber se os seres humanos estão livres de ameaças e se sua vida está sendo garantida com dignidade, para além de conflitos, ou seja, violências diretas.
Reafirma, portanto, a segurança como uma condição humana universal, sendo um interesse compartilhado por todos os indivíduos. Abrangendo, assim, questões variadas como a necessidade de garantir valores como uma boa governança, acesso à saúde e educação, redução da pobreza, crescimento econômico e prevenção de conflitos. Em dimensões diversas, como a econômica, alimentar, sanitária, ambiental, pessoal, comunitária e política.
Segundo o conceito de segurança humana, sempre devem existir dois componentes primordiais: manter as pessoas a salvo de ameaças crônicas como a fome, as doenças, a repressão, assegurar que o indivíduo tenha acesso à saúde, ambiente estável e acesso econômico (freedom from want). E, o segundo seria protegê-las de mudanças nocivas nos padrões da vida cotidiana, por exemplo, das guerras, dos genocídios e das limpezas étnicas, sendo livres do medo (freedom from fear).
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Como o conceito de segurança humana surgiu?
O termo é definido, pela primeira vez, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), por meio de seu Relatório de Desenvolvimento Humano publicado em 1994. O PNUD, por sua vez, é um programa do sistema ONU, originado em 1965 que tem como finalidade realizar atividades em países em desenvolvimento. Essas buscam o desenvolvimento tanto nos setores econômicos quanto nos sociais.
Este relatório estabeleceu, portanto, de forma ampla e integradora, que a segurança humana indica um foco direto no indivíduo e em suas liberdades. Dessa maneira, de acordo com o PNUD, a insegurança resulta muito mais de preocupações da vida cotidiana do que da possibilidade de um evento violento. O conceito se refere, portanto, a proteger valores como a segurança pessoal, assegurando um mínimo de bem-estar em diversas dimensões, podendo citar a alimentar, sanitária e ambiental.
O que é a concepção ampla e a restrita? Quais as suas diferenças
Por conseguinte, o relatório do PNUD afirma que serão exploradas as novas fronteiras da Segurança Humana da vida cotidiana das pessoas. Sendo necessário descobrir prematuramente os sinais de alerta de uma possível crise, para que ações de diplomacia preventiva possam ser colocadas em prática. Além disso, essa definição representa um enfoque amplo, por ser altamente integradora e incorporar uma gama de fatores e fontes de ameaças.
Logo, a visão ampla não envolve apenas as ameaças físicas e a proteção das pessoas em tempos de conflito violento, mas também o engajamento de indivíduos em cenários pós-conflito onde a reconstrução e estabilização da sociedade são preocupações centrais. Assim, ameaças provindas da violência indireta receberiam maior ênfase, recebendo destaque as questões econômicas e ambientais.
Dessa forma, podemos citar a utilização feita pelo Estado japonês, que incorporou o conceito, em sua forma ampla, pela primeira vez em um discurso feito pelo primeiro ministro na Assembleia Geral da ONU, em 1995. Destacou, desse modo, a importância de fatores que promovessem a proteção do indivíduo contra os mais diversos tipos de violências, apoiadas em valores como a sobrevivência humana, dignidade e sustento.
Entretanto, há um outro enfoque mais restrito, o qual estabelece a Segurança Humana como a proteção diante da violência física em contextos de conflitos. Essa definição foi uma das interpretações que se destacaram após a proposta do PNUD, sendo apresentada pelo governo do Canadá e depois adotada pela Rede de Segurança Humana. A rede surgiu de um acordo bilateral entre Canadá e Noruega em 1998, cujo objetivo era conformar uma associação de países para promover um novo conceito de segurança centrado nas pessoas.
A grande diferença entre os conceitos está nas ameaças e nos meios de se garantir a segurança. Pois, enquanto a concepção ampla ressalta a violência indireta como fonte de ameaça, o conceito restrito aponta para as violências diretas. E como as ameaças são distintas, as formas de prevenção também.
O PNUD, por exemplo, valoriza a promoção do desenvolvimento humano como meio de prevenção da insegurança. A Rede de Segurança, por sua vez, busca investir em operações de paz, intervenções humanitárias e o fortalecimento de instituições internacionais e redes de cooperação com outros Estados que garantam a segurança.
Sendo assim, defensores do enfoque restrito criticam o amplo, por ser excessivamente abrangente, o que geraria uma ambiguidade e ineficácia do conceito e de sua aplicação.
Importância e utilização da concepção de segurança humana
O conceito já é utilizado desde meados da década de 90, quando foi adotado por um grande número de organizações internacionais e não governamentais, incluindo a Oxfam, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), além de diversos países, com destaque, para o Canadá e o Japão.
O Canadá, como mencionado anteriormente, tem concentrado o seu discurso sobre o conceito, numa concepção mais restrita (freedom from fear) e promovido políticas de proteção a civis em conflitos armados, prevenção de conflitos e participação em operações de paz.
A partir dessa política, em 1999, é estabelecida a Rede de Segurança Humana, um grupo de Estados liderados pelo Canadá, Noruega e Suíça, que incluem o Chile, a Jordânia, a Áustria, a Irlanda, o Malí, a Grécia, a Eslováquia, a Tailândia, a Holanda e a África do Sul (observador).
O propósito dessa Rede é propagar políticas comuns de Segurança Humana numa série de instituições internacionais e regionais. Destaca-se que os princípios de segurança humana não excluem a segurança nacional, por outro lado, servem como um complemento ao acrescentar as preocupações com os seres humanos como o bem-estar, cidadania, saúde.
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Desafios do conceito
A ampla visão do conceito enfrentou alguns desafios e recebeu uma grande quantidade de críticas, visto que um número significativo de profissionais expressou sua preocupação sobre a viabilidade de alcançar os objetivos, propostos pelo conceito, na prática. Uma vez que era uma concepção excessivamente extensiva e abordava uma gama enorme de fatores.
Uma das críticas, expõe que o conceito carecia de uma definição precisa e que era considerado muito vago e ambíguo para ser cientificamente significativo. Além disso, considerava sua associação com questões de desenvolvimento como apenas acrescentando aos já altos níveis de ambiguidade prevalecentes dentro da visão da ONU sobre o conceito.
Em resumo, cabe mencionar que o debate do conceito é extenso e causa algumas controvérsias, visto que a noção traz algumas potencialidades e debilidades, tanto no campo teórico como no prático.
Porém é um conceito novo, ainda em construção, que precisa de certo amadurecimento e um esforço para ampliar suas potencialidades e minimizar suas debilidades. Sendo assim, necessita de concepções mais precisas e relações mais bem exploradas com outros conceitos, como o de desenvolvimento humano.
Para isso, os caminhos teóricos e empíricos são diversos, mas a Politize! tem a missão de te ajudar a compreendê-los.
E aí, conseguiu compreender o que é Segurança Humana e como o conceito pode ser utilizado? Deixe seu comentário sobre o tema!
Referências:
- TESES USP – Segurança Humana: histórico, conceito e utilização.
- REVISTA RELINGER – O conceito de segurança humana nas relações internacionais.
- REVISTA MARÍLIA – O fim da Guerra Fria e os estudos de segurança internacional: o conceito de segurança humana.
- MALIK, S. Human Security. In: HOUGH, P. et.al. International Security Studies: theory and practice. London: Routledge, 2015.
- UEPB – Segurança Nacional Japonesa: o desenvolvimento das forças de Autodefesas Japonesas e o impacto do discurso de segurança humana.
1 comentário em “Segurança humana: conceito, importância e utilização”
Qual o Valor mensal de um segurança num condomínio no Centro do RJ?