É muito provável que você conheça algum caso de suicídio ou tentativa de suicídio. Fato é que o aumento desses casos é um alarme que se desperta.
É por isso que, desde de 2015, no dia 10 setembro e ao longo de todo este mês, vigora a campanha Setembro Amarelo. Ela foi instituída como um período especial dedicado para falar sobre o assunto, estabelecendo a necessidade de quebrar um tabu que mata milhões ao redor do mundo.
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O que é o suicídio?
O sociólogo francês Émile Durkheim foi o primeiro estudioso moderno a elaborar uma profunda análise pautada em metodologia, dados e estatísticas com o objetivo de discutir o assunto.
Na sua obra Le Suicide, de 1897, ele conceitua o suicídio como:
“todo o caso de morte que resulta, direta ou indiretamente, de um ato, positivo ou negativo, executado pela própria vítima, e que ela sabia que deveria produzir esse resultado”.
Ou seja, o suicídio depende de três fatores constantes e necessários:
- Morte;
- Morte executada pela própria vítima;
- O ato gerador da morte deve ser esperado, isto é, com expectativa e intenção de produzir esse resultado.
“Durkheim tratou ou tocou na psicologia normal e anormal, psicologia social, antropologia (especialmente o conceito de raça), fatores meteorológicos e outros “cósmicos”, religião, casamento, família, divórcio, ritos e costumes primitivos, relações sociais e crises, crime (especialmente homicídio) e direito e jurisprudência, história, educação e grupos profissionais”. (Introdução do Editor, tradução nossa)
Durkheim chega à conclusão de que o suicídio não pode ser explicado por modelos de base individualista, estabelecendo que, na realidade, a relação de certos fatores sociais são determinantes para a prática do suicído.
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Dessa forma, pautado em estudos complexos, o autor é levado a estabelecer três categorias de suicídio (sem, contudo, excluir a possibilidade de formas mistas):
- Suicídio Egoísta: é aquele no qual o indivíduo não é capaz de ter uma vividade coletiva, não se sentindo integrado ou importante na sociedade. Durkheim notou, na época, que entre católicos, por exemplo, as taxas de suicídio eram consideravelmente menores do que entre protestasntes, uma vez que enquanto o primeiro grupo tendia a ser mais coletivista, os reformistas eram mais individualistas, tornando mais baixos os níveis de proximidade e integração nessas sociedades;
- Suicídio Altruísta: este tipo é considerado sintomático de sociedades com altos níveis de integração. Tanto o caso egoísta quanto o altruísta estão relacionados à maneira como o indivíduo está inserido na sociedade, mas enquanto o primeiro diz-se uma maneira inadequada, nesta o indivíduo está excessivamente adequado ou integrado à sociedade. Era o caso dos Kamikazes japoneses ao longo da Segunda Guerra;
- Suicídio Anômico: diz respeito aquele no qual a ordem social está fora do normal. Há a falta de regulação do indivíduo pela sociedade, e pode ser considerado uma situação crônica em sociedades inseridas na economia moderna. Esse tipo de suicídio acontece quando a ordem social faz com que os indivíduos se sintam perdidos ou sozinhos.Nesses casos, ocorre o que Durkheim chama de ruptura ou esfacelamento da consciência coletiva. Geralmente é notado em período de crises sociais (período de alto desemprego, por exemplo) ou processos de grandes mudanças sociais (como a modernização).
Por fim, o autor francês observou não haver correlação evidente do suicídio com fatores biológicos ou com fenômenos cósmicos, mas com aqueles fatores tipicamente sociais, como a família, a política e a economia da sociedade, assim como religião.
“O suicídio, como o crime, não é para Durkheim indicação de imoralidade por si só. De fato, um determinado número de suicídios é esperado em um determinado tipo da sociedade. Mas onde a taxa aumenta rapidamente, é sintomático do colapso da consciência coletiva, e de uma falha básica no tecido social”. (Introdução do Editor, tradução nossa)
Portanto, faz-se importante analisar mais que a esfera íntima da pessoa, mas a estrutura social que a envolve.
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Sobre a campanha do Setembro Amarelo
O Setembro Amarelo é a campanha brasileira organizada especialmente ao longo do mês de setembro com o foco de conscientizar a sociedade quanto aos crescentes problemas associados ao suicídio, bem como sobre os meios de prevenção.
A mobilização ocorre desde 2015, tendo como instituições fundadoras da campanha a ONG Centro de Valorização à Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
No dia 10 de setembro é comemorado o dia mundial da prevenção do suicídio, motivo pelo qual se optou por este mês como símbolo da campanha. Dada a sua importância, a cor da campanha já foi reconhecida em monumentos e localidades nacionais, como o Congresso Nacional, diversos museus ao redor do Brasil e até mesmo o Cristo Redentor a fim de disseminar a importância da prevenção ao suicídio.
Assim, o objetivo do Setembro Amarelo é levar conhecimento e informação para o cidadão comum, rompendo com tabus envoltos sobre o assunto a fim de salvar vidas.
“Falar é a melhor solução” (Setembro Amarelo, slogan).
O famoso slogan têm suas origens com o próprio surgimento da campanha nos anos 90, nos EUA, quando o jovem Mike Emme cometeu suicídio aos 17 anos. Mike, um jovem habilidoso e aparentemente feliz, havia restaurado um Mustang Amarelo pouco antes do ato, motivo pelo qual o amarelo foi adotado como cor para representar a campanha.
Compenetrados pela cor, no dia do velório, parentes distribuíram fitas amarelas com a mensagem “Se você precisar, peça ajuda”. O caso passou a ser o estopim de uma luta que assim como outras campanhas de saúde, como o Outubro Rosa e o Novembro Azul, passaram a ser realizadas para alertar e conscientizar sobre questões de extrema importância, que muitas vezes são negligenciadas.
De acordo com informações do site da campanha, uma pesquisa realizada em parceria com a Unicamp revelou que 17% dos brasileiros, em algum momentos, pensaram seriamente em dar fim a sua própria vida, sendo que, desses, 4,8% chegaram ao ponto de planejar os passos para a concretização do ato.
A primeira medida preventiva é a educação. É necessário derrubar a barreira do silêncio e fazer com que o assunto pare de ser um tabu.
“Podemos ficar atentos ao isolamento, mudanças marcantes de hábitos, perda de interesse por atividades de que gostava, descuido com aparência, piora do desempenho na escola ou no trabalho, alterações no sono e no apetite, frases como “preferia estar morto” ou “quero desaparecer” podem indicar necessidade de ajuda”.
A campanha estimula que “a fala auxilia no entendimento dos sentimentos, na compreensão do que se passa dentro de si. Sem julgamentos, contra si ou contra o outro”.
Suicídio é crime?
A resposta mais breve é: não exatamente.
O Código Penal (CP) é a lei responsável por atuar nos aspectos sociais mais graves, como último meio possível – ultima ratio – a fim de resguardar o bem-estar de todos. Todavia, segundo o princípio da alteridade,
“Para haver crime, a conduta humana deve colocar em risco ou lesar bens de terceiros, e é proibida a incriminação de atitudes que não excedam o âmbito do próprio autor”.
Assim, atos que em tese firam um bem-jurídico tutelado ou protegido pelo Direito Penal só podem ser punidos quando afetam uma pessoa que não é você mesmo. Esse é o caso do suicídio.
Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio.
“Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:
Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.
Parágrafo único. A pena é duplicada:
Aumento de pena.
I – se o crime é praticado por motivo egoístico;
II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.”
Como aponta o médico psiquiatra forense, Hewdy Lobo, o que se nota da lei brasileira é que a punição ao suicídio não age sobre quem o prática, mas contra terceiros que ou induzem ou instigam outro a suicidar-se, bem como auxiliam ou contribuam para o ato.
Na realidade, sob a perspectiva formal, o suicídio constitui um indiferente penal. Isto é, não corresponde a uma infração penal. Até porque, como punir alguém que sequer se encontra mais no plano dos vivos? A escolha, no entanto, foi por punir aquele que contribuiu para a sua prática.
Uma dica sobre o tema é a série “The Girl from Plainville”.
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Suicídio entre homens: uma questão de gênero?
“As mulheres podem falar e os homens não, porque acham que vão parecer fracos. Mas não, você é mais forte do que qualquer um se puder ir até seu amigo e dizer a ele como se sente”, disse emocionado o lutador de artes marciais, Paddy Pimblett .
No dia 23 de julho de 2022, o lutador de MMA fez um depoimento comovente após vencer um combate contra o também lutador de UFC Jordan Leavitt, levantando importantes discussões quanto ao suicídio, sobretudo entre os estigmas que afetam a população masculina:
“Eu acordei na sexta-feira de manhã às 4 da manhã, com uma mensagem. Um amigo, e meu conterrâneo, havia se matado. Isso foi 5 horas antes da minha pesagem… Então, Ricky, meu amigo, essa é para você! Esse estigma, nesse mundo, de que homens não podem falar… Escute, se você for um homem, se estiver com peso nos seus ombros, e você acha que a única maneira de resolver isso é tirando a própria vida, por favor, fale com alguém. Fale com qualquer pessoa. As pessoas prefeririam… Bem, eu sei que preferiria ter meu amigo chorando no meu ombro a ter que ir no funeral dele na semana que vem. Por favor, vamos nos livrar desse estigma. E que os homens comecem a falar.”
Apesar de ser um tema de baixa repercussão e incomum, os dados apontam que esse fenômeno é mais frequente entre a população masculina. De acordo com a OMS (2022), cerca de 76% dos suicídios são cometidos por homens.
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Proporcionalmente, é o mesmo que dizer que a cada 8 suicídio cometidos, mais de 6 são registrados por homens, enquanto menos de 2 podem ser vistos entre mulheres. É possível dizer também , que as taxas de suicídio são de três a quatro vezes maior entre homens.
Outro fator relevante apontado, foi o fenômeno conhecido como “paradoxo do suicídio”. O fenômeno diz respesito a alta frequência de tentativas de suicídio entre mulheres, enquanto o ato consumado é mais presente entre homens. Conforme o Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação, 32,45% das notificações de tentativas de suicídio no Brasil foram de homens, enquanto 67,55% foram de mulheres.
Essa situação é comumente referida como consequência dos métodos pelos quais os homens mais frequentemente cometem suicídio. Normalmente, são meios mais violentos e letais, como por arma de fogo e enforcamento.
Além disso, estudos que apontam para o fato de que o suicídio pode estar atrelado a questões típicas de gênero, ressaltam que o estopim ocorre, sobretudo, quando o indíviduo sente que não estão cumprindo com o seu papel tradicional de gênero. Os homens quando passam a se sentir incapazes de cumprir com sua função de provedor e as mulheres quando sentem que não conseguem mais exercer o papel de cuidadora.
Nesse sentido, pesquisas associados à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), à Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e à Universidade de Fortaleza, apontam que essa enorme discrepância entre as taxas de suicídio quando considerados os gêneros, pode estar relacionada à denominada “masculinidade fraturada”.
Os pesquisadores descobriram que nas sociedade ocidentais, o papel masculino é definido segundo quatro atributos principais:
- Estoicismo (um homem não pode expressar sentimentos);
- Autonomia (precisa resolver seus problemas sem buscar ajuda);
- Sucesso em todos os tipos de empreendimentos; e
- Agressividade.
Os estudos ainda apontam que “a dificuldade em expressar as emoções decorre desse modelo e os homens que agem de acordo com ele são mais vulneráveis ao suicídio. Isso ocorre principalmente porque buscar ajuda para os problemas (econômicos, limitações corporais, doenças) é considerada uma atitude feminina que implica fraqueza e falta de virilidade”.
Nesses contextos, o suicídio é visto como uma forma de “retomar o comando” ou como a única saída frente a uma situação de impotência e perda.
Profissões mais propensas ao suicídio
Profissões cuja rotina causa estresse, sofrimento psíquico, afastamento da família ou ansiedade, são as que possuem altas taxas de suicídios entre os segmentos profissionais. São categorias consideradas de risco, como militares, policiais e profissionais da saúde, como médicos, veterinários e enfermeiros.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 contabilizou cerca de 82 suicídios cometidos por policiais militares somente no ano de 2022. Além disso, de acordo com a Fundação Americana de Prevenção do Suicídio, cerca de 300 a 400 médicos cometem suicídio a cada ano. Entre os acadêmicos de medicina, por volta de 11,2-17,4% já apresentaram ideação e/ou comportamento suicida.
Em 2016, ao identificar o problema, o Exército Brasileiro instituiu a Política de Valorização da Vida com o objetivo de realizar ações preventivas tendo como base o histórico de casos entre os membros de seu contingente.
Enfim, onde encontrar ajuda?
Se alguém, qualquer pessoa, não importa raça ou classe social, estiver passando por momentos difíceis, tendo pensamentos suicidas, fale com alguém da sua confiança ou procure ajuda em acompanhamento psicológico. Não negue apoio da família e de amigos. Falar é fundamental.
Além disso, você pode procurar ajuda entrando em contato com o Centro de Valorização à Vida (CVV). Este projeto fornece suporte emocional e prevenção do suicídio. Por telefone ligando 188, e-mail, chat 24 horas todos os dias, de segunda à sexta, e também pessoalmente.
O serviço é prestado por cerca de 4 mil voluntários, em mais de 120 postos de forma totalmente gratuita e sigilosa. Segundo a ONG, “o voluntário do CVV busca ouvir aquele que liga com profundo respeito, aceitação, confiança e compreensão, valorizando a vida e, consequentemente, prevenindo o suicídio”.
A implementação do telefone 188, por meio de acordo com o Ministério da Saúde que garantiu gratuidade da tarifação telefônica, permitiu com que mais de 3 milhões de atendimentos fossem registrados por ano.
E você, sente que precisamos falar mais sobre o suicídio na sociedade brasileira? Por favor, deixe sua sugestão ou comentário abaixo.
Referências:
- Émile Durkeim – Suicide: A Study in Sociology.
- Brasil Escola – Sobre o Suicídio na Obra de Durkheim.
- Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) – Setembro Amarelo – Mês de Prevenção do Suicídio.
- Centro de Valorização à Vida (CVV) – Setembro Amarelo.
- Direção Concursos – Princípio da alteridade: Direito penal para concursos.
- Centro Universitário UNIFAFIBE – Suicídio, liberdade e direitos humanos: aspectos dinâmicos entre o exercício do direito à saúde e o cotidiano do viver no CAPS III de um município do interior de São Paulo.
- Hewdy Lobo – Suicídio é crime?
- Meneghel; Gutierrez; da Silva; Grubits; Hesler; Ceccon. Suicídio de idosos sob a perspectiva de gênero.
- Jornal da Orla – Saiba quais são as profissões mais propensas ao suicídio
- Thiago de Brito e Silva – Suicídio entre médicos e estudantes de medicina: uma revisão da literatura.
1 comentário em “Setembro Amarelo: falar é a melhor prevenção”
Excelente texto! Porém fica meu questionamento, em nossa sociedade, basta dar atenção à esse tema apenas em setembro? Fica o questionamento…