Desde o dia 7 de outubro de 2023, data na qual Israel declarou guerra contra o grupo Hamas, depois de um ataque às regiões colonizadas, o mundo voltou suas atenções à discussão sobre o Judaísmo, sionismo e terrorismo.
Embora sejam muito diversas as posições em relação ao conflito que se desencadeou desde então, o entendimento da prática política seguida pelo Estado de Israel ocorre somente em conexão ao entendimento do sionismo, tema central deste texto.
Por se tratar de um tema polêmico, é necessário justificar as perspectivas que embasam este texto. Toda a argumentação aqui desenvolvida terá como fontes primárias autores judeus ou com origem judaica, como é o caso de Hanna Arendt e Breno Altman. Esta é uma necessidade de primeira ordem, já que pode evitar confusões futuras.
De onde vem a palavra sionismo?
Segundo os esclarecimentos de Breno Altman, jornalista e fundador do site operamundi, a palavra sionismo deriva de zion, um monte localizado em Jerusalém onde, segundo um passado bíblico remoto, se encontrava o templo de Salomão. A tradução para o português de zion nos dá “Sião”. Logo, sionismo. Contudo, esse termo foi empregado pela primeira vez por um escritor austríaco, Nathan Birnbaun, em meados do século XIX.
Definição e delineamento das teses do sionismo
Apesar de o termo sionismo ter sido empregado por Birnbaun, o fundador das diretrizes e das concepções sionistas foi o jornalista Húngaro Theodor Herzl, em 1892, quando publicou o livro “O Estado Judeu”.
O objetivo de Herzl com essa obra era a criação de um país que abrigasse o povo judeu. Tratava-se, portanto, da criação de um Estado étnico, judeu, e não nacional. Isto porque o povo Judeu era um povo diverso, o qual expressava diversas nacionalidades em razão das duas diásporas judaicas: a primeira ocorrida na época do Império Neobabilônico no ano de 587 A.C, e a segunda na época do Império Romano, no ano 70 D.C.
Nesse sentido, a palavra de ordem do sionismo e assim propagada por Theodor Herzl e outros era: “Uma terra sem povo para um povo sem terra”. No entanto, não havia consenso em torno desta tese.
Muitos dos grupos judaicos, que em sua maioria se dirigiram para as áreas orientais da Europa após a segunda diáspora, eram integracionistas, ou seja, defendiam a incorporação de sua etnia aos países onde seus antepassados se estabeleceram, mantendo suas tradições, idiomas e crenças religiosas. Em suma, o sionismo se constrói não com base em uma nacionalidade, mas sim através da necessidade de criação de um Estado étnico judeu.
Evolução histórica do movimento sionista
Podemos delinear alguns fatos importantes acerca do movimento sionista desde a sua fundação. Em primeiro lugar, tal movimento surge em 1892 por meio da publicação do livro de Herzl comentado acima.
Em razão do crescente antissemitismo na Europa e da perseguição sistemática aos judeus ao longo da história, o sionismo incorpora ao seu discurso a aparência de um movimento de libertação nacional, fato que tornava atraente aos povos judaicos heterogêneos a criação de um Estado no qual imperasse a sua etnia.
Após alguns anos da publicação da obra de Herzl, ocorre o primeiro congresso sionista na Basiléia, Suíça, em 1897, o qual fora presidido pelo próprio autor húngaro. Ademais, aos fatos e discussões tratados neste evento, podemos destacar a existência de duas correntes entre os delegados, os quais somavam cerca de 200 indivíduos.
A primeira delas era favorável à ocupação de um local desabitado, uma terra virgem à disposição daquelas comunidades judaicas. Foram, então, exemplificadas diversas regiões para isso, como a Patagônia, a ilha de Chipre e recantos da Uganda ou do Congo. Porém, a oposição formou maioria no congresso, e se decidiu pela Palestina, a terra da Canaã bíblica, a região de Israel e Judá.
A grande questão é que desde o século 638 D.C, esta região já havia sido ocupada por árabes e muçulmanos, como também por uma minoria judaica remanescente do massacre perpretado pelo imperador Adriano entre os anos 132 e 135 da era moderna.
É neste ponto, por conseguinte, que se estabelece uma virada de concepção no movimento sionista. A palavra de ordem, cuja ênfase era a ocupação de uma terra desocupada, passa a ser outra: a ocupação de uma terra já habitada, na qual habitaram outrora os povos judaicos. Assim, o movimento sionista passa a absorver um elemento combativo em seu interior.
O sionismo, em cujo início se definia como uma ideologia essencialmente laica, passa a incorporar, por conseguinte, elementos religiosos, com os quais se tornaria mais fácil o convencimento da ala religiosa de seu movimento. Desse modo, a ocupação das antigas terras de Judá e atual Palestina tornou-se o motivo perfeito para essa referida ala.
Assim, o sionismo, por meio de sua manifestação religiosa incorporada posteriormente, passa a argumentar que a terra da antiga Israel bíblica é a terra prometida, e o povo judeu, o povo escolhido.
Sionismo e a criação do Estado de Israel
Este tópico pode ser considerado uma continuação do anterior, já que não há meios de apreender a fundação do Estado de Israel sem o papel do sionismo neste processo. Também a doutrina sionista explica as ações políticas levadas a cabo por este Estado. Dessa maneira, podemos nos perguntar: como o Estado de Israel surgiu nas suas configurações atuais?
Após o primeiro Congresso sionista mencionado anteriormente, foi criada a Organização Sionista Mundial, cuja função seria a de patrocinar os fluxos migratórios em direção à atual Palestina.
Deve-se ressaltar o fato de que a empreitada que culminaria com a ocupação das terras Palestinas não é, de início, militar, mas sim econômica, já que a burguesia judaica europeia, através da compra de terrenos lá disponíveis, iniciou a modificação demográfica e a preparação para a chegada em massa do povo judeu.
Em novembro de 1947, todavia, a Organização das nações Unidas (ONU) implementou a partilha da Palestina. Tal divisão substituiria a ocupação britânica na região. Foi somente em maio do ano seguinte, isto é, 1948, que David Ben Gurion, presidente da Organização Sionista Mundial, declarou como oficialmente criado o Estado de Israel.
Dessa maneira, a intenção inicial era a divisão do território entre Estado de Israel e o Estado Palestino agrupado por uma população árabe.
No dia seguinte àquele em que Gurion declarou a fundação do Estado Judeu, os países árabes ao redor, em apoio à Palestina, invadiram a recém-criada nação. Ao decorrer das guerras, Israel fora anexando regiões na Cisjordânia, na Península do Sinai, na Faixa de Gaza e nas colinas do Golã. Atualmente, a relação entre esses países é bem complexa, e muitas das fronteiras permanecem indefinidas.
Entretanto, a anexação ilegal de terras, isto é, fora das resoluções estabelecidas pela ONU, continua a acontecer, inclusive com o incentivo e participação ativa do governo israelense.
Em 1994, um órgão de governo para o comando da Palestina foi criado, a chamada Autoridade Nacional Palestina, controlada pelo Fatah desde 2013. É também desde este mesmo ano que a Autoridade Nacional Palestina rebatizou-se para Estado da Palestina.
Principais figuras e ideologias dentro do sionismo
Neste tópico, torna-se conveniente compreender a fração no interior do movimento sionista. Desse modo será mais claro entender o papel das diferentes figuras sobre as quais falaremos aqui.
Durante todo o século XIX, os setores trabalhistas e as lutas socialistas foram tomando forma e influenciando todo o continente europeu. Essa influência esbarrou no próprio sionismo, de tal maneira que se criou uma fração de “esquerda” no movimento, ou, de maneira mais adequada, uma fração “progressista” ou até mesmo “trabalhista”.
Nessa esfera, priorizava-se, tal como a ala mais tradicional e reacionária, a criação de um Estado étnico. Porém, se diferenciava dessa última nas questões de política interna. Logo, defendiam que as relações entre as comunidades judaicas fossem coletivistas, e que as interações entre os indivíduos prezassem a camaradagem e o companheirismo.
Enfatiza-se novamente que estas eram as diretrizes internas do sionismo, já que, no que tange as políticas externas, o movimento se caracteriza pela instituição de um Estado étnico próprio.
No interior da facção progressista, destacam-se os seguintes nomes: em primeiro lugar, David Ben Gurion, o qual conduziu os processos de fundação do Estado de Israel em 1948.
Além dele, há também: Chaim Azriel Weizmann, de origem russa; Golda Meir, única mulher a ser primeira-ministra do Estado de Israel; Moshe Dayan, comandante do front de Jerusalém na guerra árabe-israelense; Yitzhak Rabin, também primeiro-ministro do Estado de Israel e Shimon Peres, que foi presidente de Israel entre 2007 e 2014.
Entre os representantes da facção tradicional, reacionária, destacam-se: o próprio Theodor Herzl, fundador do sionismo tradicional a partir da obra O Estado Judeu; Vladimir Jabotinsky, cujas intenções seriam de reformular a doutrina sionista “verdadeiramente herzliana” e o austríaco Nathan Birnbaun, que primeiramente empregou o termo sionismo.
Mais recentemente, podemos classificar o atual primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, como sendo um representante da ala tradicionalista do sionismo.
Críticas e controvérsias em torno do Sionismo
A guerra iniciada com o ataque do Hamas à Israel em 7 de outubro de 2023 travou as atenções de todo mundo para as práticas políticas e militares deste Estado em relação ao povo Palestino e, portanto, para o papel do sionismo no seio desse processo.
No entanto, as polêmicas, controvérsias e críticas dirigidas tanto às práticas de Israel quanto à doutrina racial que as fundamenta, o sionismo, não são recentes e sequer monopolizadas por apenas um dos espectros políticos.
Na verdade, tanto autores de direita quanto de esquerda já teceram críticas, historicamente, ao papel do sionismo no processo de tomadas de terras da Palestina. Um exemplo emblemático é Hanna Arendt, pensadora de origem judaica, e que efetua uma virada antimarxista e anticomunista a partir da guerra-fria.
No outro lado do espectro político, podemos fazer referência a Domenico Losurdo, filósofo marxista Italiano. Esses são apenas dois casos, mas há muitos outros. Voltando-nos aos acontecimentos recentes, podemos observar condenações às práticas de Israel e do sionismo até mesmo por parte de oficiais de países alinhados aos interesses do imperialismo norte americano, como Bélgica, Dinamarca, Finlândia e Itália.
Hanna Arendt, em seu célebre texto Eichamann em Jerusalém, nos lega um relato impactante: “Depois da leitura deste famoso clássico sionista [Herzl], Eichmann aderiu prontamente e para sempre as ideias sionistas”. (ARENDT, 1993, p.15-6 e 48).
A pessoa a quem a filósofa se refere é Adolf Eichmann, oficial do partido nazista e posteriormente membro da Gestapo, dentro da qual ficara a cargo da deportação dos judeus. Foi, nesse sentido, membro ativo do Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial.
Com isso, podemos expor uma das maiores controvérsias do sionismo, isto é, a de ser base ideológica do nazismo. Acerca deste aspecto a primeira vista estranho, Victor Klemperer, outra grande personalidade judia, nos diz: “A doutrina da raça de Herzl é a fonte dos nazistas; são estes que copiam o sionismo, e não vice-versa” (KLEMPERER, 1942-1945); em seus textos cíticos ao sionismo, Domenico Losurdo faz referências constantes a este autor.
Para além desses fatos, também podemos assinalar outros aspectos muito passíveis de críticas no interior do sionismo. Entre eles, a utilização de métodos terroristas para o alcance de seus objetivos de ocupação de terras. Há, inclusive, um episódio muito marcante para fundamentar esta posição. Trata-se da chacina de Deir Yassan, em nove de abril de 1948.
Nesta data, o jornal The New York Times noticia a invasão, por parte de colonos israelenses, de uma aldeia árabe circundada por território hebraico, a aldeia de Deir Yassan. Sem objetivos militares específicos, a investida dos sionistas resultou na morte de boa parte da pequena população da aldeia: cerca de 240 pessoas, entre elas homens, mulheres e crianças.
Atualmente, com a intensificação da guerra entre palestinos e israelenses, as controvérsias só aumentam, e as práticas sionistas se mostram cada vez mais brutais. Bombardeios às escolas e aos hospitais; utilização de armas proibidas pelas convenções de guerra, como o uso de fósforo branco; privação da chegada de ajuda humanitária às populações civis afetadas; corte intencional no fornecimento de água, comida e energia, entre outros.
Devemos lembrar também que grande parte do mundo Ocidental, estando à frente os Estados Unidos, é responsável pelo patrocínio militar enviado à Israel.
Sionismo hoje: perspectivas e desafios
Nos dias de hoje, é nítida uma polarização entre sionistas e anti-sionistas no mundo todo. No Brasil, particularmente, observa-se um apoio de parte dos setores cristãos às ações de Israel, o que gera um fenômeno cunhado de sionismo cristão.
Todavia, é difícil falar em uma unidade de perspectivas entre as próprias populações judaicas. Muitas comunidades de judeus são anti-sionistas e repudiam as ações efetuadas por Israel contra os palestinos.
Outra parte da população judia enxerga legitimidade no projeto sionista e nas ações de Israel em relação ao Hamas e à Palestina. Quaisquer que sejam as múltiplas posições das comunidades judaicas e não judaicas, o desafio central que se coloca na ordem do dia é a mediação efetiva do conflito através da ONU, que se designou como órgão essencial dos assuntos entre árabes e hebraicos após a partilha da Palestina em 1947.
E aí, Gostou de saber sobre o sionismo? Deixe suas opiniões e dúvidas nos comentários! Esperamos que nosso texto contribua para esclarecer ainda mais esse tema!
Referências:
- ARENDT, Hannah, Eichamann in Jerusalem. A Report on the Banality of Evil (1963), tradução italiana La Banalità del male. Eichmann a Gerusalemme (1964). Feltrinelli, Milano. V edição. 1993, pp. 15-6 e 48.
- Brasil Escola – Diáspora Judaica
- Brasil de Fato – Israel e Palestina: uma guerra sem fim
- Carta Capital – O que é Sionismo Cristão e Por Que ele Alimenta a Direita no Brasil?
- Conib – O que é Sionismo?
- Enciclopédia do Holocausto – Adolf Eichmann (Artigo Resumido)
- Ensinar História – Nascimento do Estado de Israel
- KLEMPERER, Victor. Ich will Zeugnis ablegen bis zum letzten, vol. II: Tagebücher 1942-1945, org. W. Nowojski, Aufbau, Berlim, Quinta edição, 1996, p. 146.
- LOSURDO, Domenico. O sionismo e a tragédia do povo palestino. Crítica Marxista, São Paulo, Ed. Revan, v.1, n.24, 2007, p.63-72.
- Notícias Uol – Oficiais de Países Ocidentais Criticam Apoio Sem Limites à Israel
- OperaMundi – Sionismo, Apesar das Divisões, Permanece como Doutrina Oficial
- Youtube – O que é sionismo? – 20 minutos análise, por Breno Altman.
2 comentários em “O que é o sionismo?”
‘Atualmente, com a intensificação da guerra entre palestinos e israelenses, as controvérsias só aumentam, e as práticas sionistas se mostram cada vez mais brutais […]’.
O artigo vinha de maneira aparentemente imparcial até aqui.
Necessário é observar que, conforme o próprio artigo revela, frentes progressistas e frentes conservadoras têm apreço ao ideário original do sionismo, que é o estabelecimento do povo judeu em um território. Deste fato harmônico, no entanto, há controvérsias posteriores, como em todo movimento, qualquer que seja.
Por este ponto de vista (o de que as controvérsias são naturais em movimentos), é no mínimo desonesto atribuir ‘práticas […] cada vez mas brutais’ ao movimento sionista como um todo.
Seria o equivalente a dizer, no Brasil, que todo progressista é burro, ou que todo conservador é bolsonarista.
Caro David,
Obrigado pelo comentário ao final do texto. Os debates são sempre importantes para o avanço do conhecimento.
Como autor do texto e estudioso do atual conflito entre Palestina e Israel, ficaria feliz em respondê-lo.
Primeiramente, gostaria de enfatizar o fato de que o movimento sionista passa por transformações ao longo de seu desenvolvimento. O que antes poderia ser atribuído a um “sionismo progressista” é, hoje, impossível, visto que os signatários de uma concepção de mundo progressista não legitimariam as constantes violações das convenções de guerra, dos direitos humanos, dos direitos à terras e até mesmo dos acordos estabelecidos pela ONU em 1947, os quais foram responsáveis pela partilha do território entre Israel e a Palestina. O próprio Breno Altman e outros autores dizem que não se pode mais falar num suposto “sionismo de esquerda”, ou, se quiser, “sionismo progressista”.
Em segundo lugar, o ideário original do sionismo não é somente a alocação de um povo – o povo judeu – em um território, mas mais que isso, é a criação de um Estado étnico judeu, o que marca a hegemonia de uma única etnia neste espaço. O processo de estabelecimento do Estado judaico não é neutro. O que esteve em valia não foi somente o “estabelecimento do povo judeu em um território”, mas instituição de sua hegemonia étnica neste território, fato que explica a hostilidade frente às comunidades árabes já existentes naquela área.
Por fim, o que você considera por práticas brutais? Na minha perspectiva, o assassinato sistemático de mulheres e crianças, o impedimento da entrada de ajuda humanitária aos atingidos pela guerra, o assassinato de mais de 400 atletas, o uso de armas e munições proibidas pelas convenções de guerra, a censura e o banimento do portal Al Jazeera do território israelense, o assassinato de 164 jornalistas em 299 dias de guerra são, para não aumentar a lista de atrocidades, sim práticas brutais levadas ao cabo pelo atual regime sionista de Israel. Óbvio, no entanto, é que nem todo judeu apoia esse tipo de prática. Esses, por sua vez, são os judeus não sionistas – muitos deles sendo ortodoxos – , os quais também são hostilizados pela corrente sionista dominante.