Última atualização em 12 de abril de 2019.
Este texto sobre o socialismo é o terceiro de uma trilha de conteúdos sobre correntes de pensamento político. Veja os demais textos desta trilha: 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7 – 8 – 9
O socialismo é uma doutrina política e econômica que surgiu entre o fim do século XVIII e a primeira metade do século XIX, no contexto da Primeira Revolução Industrial. Baseada sobretudo no princípio de igualdade, a corrente socialista emergiu como uma forma de repensar o sistema capitalista que vigorava na época. De uma forma geral, quando falamos em socialismo frequentemente associamos o termo à corrente marxista, mas essa não é a única forma de socialismo existente.
A partir do século XX, ocorreram no mundo várias tentativas de implementação de regimes socialistas. Atualmente, alguns países afirmam apresentar um sistema baseado em tais princípios, mas será que eles são mesmo socialistas? Descubra como funciona o socialismo, quais são os seus principais pensadores e de que formas essa doutrina se apresenta no mundo contemporâneo.
Estudantes em cerimônia de comemoração dos 90 anos do Partido Comunista Chinês.
Como surgiu o socialismo?
No final do século XVIII, a Europa passava por um processo que gerou mudanças em todas as esferas da sociedade: a Revolução Industrial. Essa revolução não só modificou a economia dos países europeus, mas também causou grandes transformações sociais. Com a modificação dos meios de produção e, por consequência, o surgimento do ambiente fabril, o sistema capitalista entrava em uma nova fase: ele deixava de ser o capitalismo comercial mantido desde o século XV para assumir a forma de um novo capitalismo industrial.
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Com a crescente expansão das indústrias, as cidades cresciam rapidamente, sem qualquer planejamento. Ao mesmo tempo, muitos trabalhadores migraram do meio rural para as cidades, onde a produção fabril empregava a maior parte da mão-de-obra.
Enquanto isso, a sociedade europeia se dividia entre dois grandes grupos: de um lado, um proletariado que nada possuía além da própria mão-de-obra; do outro, uma classe burguesa que detinha a maior parte da riqueza produzida. Essa segregação social se refletia na organização da cidade, com os trabalhadores pobres sendo deslocados para as margens da área urbana, onde predominava a miséria.
Esse novo proletariado fabril encontrava-se sob as mais duras condições de trabalho, onde não existia qualquer meio legal de proteção: os salários eram baixos e as jornadas diárias de trabalho chegavam a 16 horas, não possuíam direito a nenhum dia de descanso; não existia limite de idade, as crianças trabalhavam desde cedo e os idosos não tinham direito à aposentadoria; além disso, contavam com péssimas condições de segurança no ambiente de trabalho.
Neste contexto de pleno desenvolvimento do capitalismo, mas ao mesmo tempo de rápido aumento da miséria, alguns intelectuais passaram a buscar alternativas que pudessem melhorar esse cenário social. Foi em resposta a esses problemas que pensadores criaram a teoria socialista, como um caminho para organizar uma sociedade onde não houvesse desigualdades.
Os primeiros pensadores dessa corrente foram Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen. Cada um à sua maneira, esses autores fizeram parte da primeira forma de apresentação da ideologia socialista, mais tarde denominada socialismo utópico. Posteriormente, surge o socialismo científico, tendo como teóricos mais notáveis os alemães Friedrich Engels e Karl Marx.
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O socialismo utópico
O socialismo utópico foi a primeira corrente socialista, desenvolvida ainda durante a Primeira Revolução Industrial. Um dos seus grandes estudiosos foi o filósofo e economista francês Claude-Henri de Rouvroy, mais conhecido por Conde de Saint-Simon.
Para ele, era importante que as classes prósperas entendessem que melhorar as condições de vida dos mais pobres implicaria na melhoria de suas próprias condições de vida. Assim, o objetivo das instituições sociais seria o de melhorar intelectual, moral e fisicamente, as condições da classe mais pobre e numerosa. Tudo isso por meio do progresso industrial e científico.
Saint-Simon foi um crítico do “tripé de dominação social”, formado pelo clero, a nobreza e os militares. Diferente de outros pensadores socialistas, não defendia o fim da propriedade privada e nem a revolução como caminho para a reformulação da sociedade. Além disso, Saint-Simon era favorável a uma forte interferência do Estado sobre a economia.
Outro teórico do socialismo utópico foi Charles Fourier. Ele propôs a criação de sociedades comunitárias e independentes, ainda que dentro da sociedade capitalista. Essas comunidades viveriam isoladas da sociedade, dependeriam do capital privado e não buscariam igualdade absoluta. Nelas haveria incentivo à eficiência industrial e, apesar de existir diferença de renda, esses rendimentos não seriam tão destoantes.
A comunidade idealizada por Fourier tornaria todos mais felizes e resultaria em aumento da produção. Ainda assim, Fourier nunca conseguiu colocar sua comunidade ideal em prática.
Assim como Fourier, Robert Owen também idealizou a criação de comunidades independentes dentro de uma sociedade maior. Contudo, suas comunidades visavam a igualdade absoluta, onde a única hierarquia seria baseada na idade. Nelas, a unidade de troca seria a hora de trabalho.
Diferente de Fourier, Owen conseguiu colocar sua comunidade em prática. Nela, os empregados eram pagos com altos salários e trabalhavam menos horas do que em outro lugar. Além disso, os trabalhadores eram sustentados por Owen durante crises econômicas e os sócios recebiam um valor limitado de lucros, aplicando o resto do dinheiro na melhoria da comunidade.
Contudo, as comunidades de Owen só funcionavam sob sua supervisão. Com o tempo, as brigas internas e entre seus sócios levaram essas comunidades ao fim.
Os socialistas utópicos enxergavam a indústria como o caminho para o desenvolvimento econômico e, com isso, para a melhoria de vida da população. Diferente dos socialistas científicos, não defendiam o fim do sistema capitalista como um passo necessário para se atingir uma sociedade justa e igualitária.
As formulações destes socialistas eram modelos idealizados de sociedade, por isso o nome de socialismo utópico. Marx criticou esse sistema ao apontar que, apesar dos socialistas utópicos apresentarem ideais de uma sociedade mais justa e igualitária, não mostraram os instrumentos e métodos necessários para que esses objetivos fossem atingidos.
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O socialismo científico
O socialismo científico foi criado no século XIX, pautado em uma análise histórica e científica do capitalismo. Por ter como pensadores Friedrich Engels e Karl Marx, o socialismo científico é muito conhecido como marxismo. Segundo Marx e Engels, em todas as épocas históricas a sociedade foi marcada pela luta de classes, sendo essa relação caracterizada pelo antagonismo entre uma classe opressora e uma oprimida. No sistema capitalista, essas classes são representadas, respectivamente, pelos proprietários privados do capital, e portanto os donos dos meios de produção, e do outro lado por uma massa de assalariados sem posses, que dispõe apenas de sua força de trabalho.
O marxismo enxerga o proletariado como a única classe social capaz de destruir essa forma de exploração do homem pelo homem, por meio da destruição do capitalismo. Isso seria alcançado quando o proletariado chegasse ao poder, com uma revolução. Ao atingir o poder, os trabalhadores eliminariam as desigualdades, abolindo as classes sociais e tornando a sociedade igualitária. Quando isso acontecesse, estaria assinalada a passagem do socialismo para o comunismo.
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Além de propor a extinção das classes sociais, o socialismo científico defende ainda:
- A socialização dos meios de produção: todas as formas de produção, como as indústrias por exemplo, passam a pertencer à sociedade e são controladas pelo Estado. Com isso, a riqueza deixa de ser concentrada nas mãos de uma minoria privilegiada;
- Abolição da propriedade privada e controle do Estado sobre a divisão igualitária da renda;
- Economia planificada: todos os setores econômicos passam a ser controlados e dirigidos pelo Estado, que determinará os preços, os salários e a regulação do mercado como um todo.
Comuna de Paris: a primeira experiência prática do socialismo
A Comuna de Paris foi a primeira tentativa na história de implantação de um governo socialista. Em 1871, após a derrota da França na Guerra Franco-Prussiana, Adolphe Thiers assumiu o poder francês e assinou um acordo de paz com o chanceler prussiano Otto Bismarck. Como o acordo era extremamente favorável à Prússia, a classe operária não concordou com o contrato firmado e se revoltou contra o governo francês. Com apoio da Guarda Nacional, a classe de trabalhadores tomou o poder de Paris, instaurando a Comuna.
O governo na comuna foi composto por noventa representantes eleitos, que seguiam diferentes vertentes socialistas, entre elas o marxismo. Boa parte desses representantes pertencia à Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), também conhecida como Primeira Internacional, a primeira organização de trabalhadores a superar as fronteiras nacionais.
A principal meta da comuna era a melhoria das condições de vida e trabalho dos operários. Entre as principais medidas tomadas estão:
- Fixação de um salário mínimo para os trabalhadores;
- Estabelecimento do ensino gratuito para todos, bem como do ensino noturno;
- Redução da jornada de trabalho;
- Autogestão nas fábricas, tornando os operários responsáveis pela organização;
- Declaração da igualdade entre homens e mulheres
- Criação do Estado Laico, por meio da separação entre Igreja e Estado.
Após a instauração da Comuna de Paris, ocorreram diversas outras tentativas de criação de comunas em toda a França. Para impedir o avanço do movimento, os governos francês e prussiano, que recém haviam se enfrentado em uma guerra, se uniram para derrubar a comuna parisiense. Com apoio das tropas prussianas, o antigo governo de Paris invadiu a cidade e recuperou o poder. Após curtos 72 dias de existência, chegava ao fim a primeira experiência de um governo socialista de composição operária.
O Socialismo na União Soviética
Ainda que a Comuna de Paris tenha sido a primeira experiência prática de socialismo, foi somente no século XX que a ideologia socialista foi adotada por um país inteiro. A primeira nação a adotar esse sistema foi a Rússia, que pouco tempo depois se unificaria com outros países para formar a União Soviética.
O regime socialista foi estabelecido na Rússia em 1917, quando uma revolução derrubou a monarquia czarista que vigorava no país. Após a queda da monarquia, o Partido Bolchevique, liderado por Vladimir Lênin, instaurou o governo socialista, que defendia ideais baseados sobretudo nos princípios marxistas.
O governo de Lênin enfrentou forte oposição de setores ligados ao antigo regime czarista, o que gerou uma longa guerra civil no país. Após o fim do confronto, a Rússia estava devastada e, para reconstruí-la, o governo decidiu abandonar momentaneamente alguns rígidos princípios socialistas. Com a Nova Política Econômica (NEP), o país voltou a usar formas de produção capitalistas, como a abertura de pequenas fábricas, diferenças salariais e investimento estrangeiro no país.
Em 1922, sob o governo de Josef Stalin, a Rússia se une a vários outros países europeus para constituir oficialmente a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Durante seu governo, Stalin aboliu o NEP e estabeleceu os planos quinquenais, onde as metas da economia soviética eram definidas em um prazo de cinco anos. Stalin priorizou a expansão e o desenvolvimento da indústria, além de centralizar diversos outros setores nas mãos do Estado.
O socialismo implantado na União Soviética pode ser chamado de socialismo real, por ser considerado a primeira experiência prática de países que adotaram medidas da teoria socialista. Embora algumas dessas medidas tenham sido propostas durante os 72 dias da Comuna de Paris, esta foi a primeira vez em que os princípios socialistas se mantiveram como sistema politico de uma nação por um longo período de tempo, um diferencial em relação às teorias socialistas anteriores, que praticamente se mantiveram no campo das ideias.
Atualmente, quais países se declaram socialistas?
Existem hoje países que se auto-declaram socialistas, apesar do assunto ser bastante controverso. Mesmo que muitos deles ainda sigam alguns princípios socialistas, é notável a influência do sistema capitalista em seus sistemas, sobretudo na esfera econômica. Confira quais são os países que adotam princípios socialistas atualmente:
1) Cuba
Cuba talvez seja o exemplo mais conhecido de socialismo moderno. Instaurado no país desde a Revolução de 1959, o sistema cubano ainda mantém muito dos seus ideais socialistas, como a busca pela igualdade e a centralização dos serviços nas mãos do Estado. Contudo, o país já demonstra muitos indícios da economia capitalista, como a indústria do turismo e o comércio externo, ainda que limitado pelo embargo econômico. Desde o fim de 2015, Cuba tem protagonizado uma reaproximação com os Estados Unidos.
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2) China
O socialismo foi implantado na China em 1949, pouco tempo depois do fim da Segunda Guerra Mundial. O país manteve estreita relação com a URSS até a década de 1960, mas a partir dos anos 1970 começou a adotar aspectos capitalistas na economia. Por apresentar uma estrutura política baseada no socialismo, mas um sistema econômico capitalista, a china se define como um “socialismo de mercado”.
3) Coreia do Norte
A Coreia do Norte surgiu a partir da fragmentação da antiga Coreia em 1948, quando se originaram dois países: um com um sistema socialista, apoiado pela URSS, e uma nação capitalista, apoiada pelos Estados Unidos. Com uma economia baseada na indústria pesada e na agricultura mecanizada, o sistema coreano possui rígido controle político, mas já se nota o crescimento de um mercado privado.
Mudanças recentes permitem ao agricultor vender o excedente da sua produção, além de poder reinvestir os lucros ou gastá-lo. A adoção dessa e outras práticas de mercado surgiu como um mecanismo de sobrevivência diante da fome, e alguns representantes do governo dizem que é uma medida momentânea enquanto o país não consegue produzir os bens de consumo necessários.
4) Vietnã
O Vietnã adotou o regime socialista em 1976, após a conhecida guerra contra os Estados Unidos. Nos anos 1990, o governo realizou reformas em sua política econômica, adotando um sistema semelhante ao chinês. Assim, o Vietnã, que até então possuía uma economia baseada na agricultura, expandiu seu setor industrial, registrando o maior crescimento econômico do Sudeste Asiático nos últimos anos. Após atrair capitais estrangeiros, o país passou a integrar o grupo dos “Novos Tigres Asiáticos”, ainda que mantenha um sistema político socialista.
REFERÊNCIAS
COGGIOLA, O. A Comuna de Paris e a Primeira Internacional Operária. Revista PUCviva, São Paulo, n. 40, janeiro, 2011.
HOBSBAWN. E. A Era das Revoluções. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1997.
MARX, K; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Martin Claret; 2014.
WILSON, E. Rumo à Estação Finlândia: escritores e atores da história. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, p. 77-120.
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5 comentários em “O que é socialismo?”
Excelente material !
Parabéns !
muito bom o conteudo do assunto. deverimos falar mais do verdasdeiro sistema do comunismo. dos filosofo até Jesus.
Artigo muito bom, um resumo excelente de alguns livros que eu lí
Bom dia! Sempre leio esse texto emitido pela futura professora Isabela Souza. O socialismo, como defenderam Marx e Engels, na profunda essência, não foi devidamente adotado na URSS, China, Cuba e Vietnan, e sim na Comuna de Paris. É difícil abolir o capitalismo e complicado defender o fim da religião e o Estado como o verdadeiro deus do povo. Eu me identifico com a social democracia, socialismo decorrente das ideologias dos chamados socialistas utópicos. A intenção de Marx e Engels foi muito boa para mostrar as injustiças que acompanham a humanidade consistentes na luta de classes, todavia adotar a revolução mediante uso de armas como meio de mudança é inapropriado, na minha modesta opinião. Ambos criadores do socialismo científico devem ser muito bem respeitados por suas ideias, contudo Owen, Saint Simon e Fourier me convenceram mais. A conscientização e o voto são o caminho e não a luta armada.
Parabéns pela reportagem. Muito ilustrativa.
Como a própria reportagem registra, o Socialismo surgiu no século XVIII, como uma forma de se repensar o sistema Capitalista, que nos aprisiona até hoje. É uma doutrina política e econômica, baseada sobretudo no princípio da igualdade. Vejam esse pequeno exemplo da agricultura familiar, onde através de um movimento associado ao MST, conseguiram fazer, depois de muita luta, que os agricultores abrissem mão de uma pequena parte de suas terras devolutas, e criou se a Agricultura Familiar, os dois, proprietários e ” invasores”, hoje já pacificado, vivam em harmonia, e essa nova modalidade legalizada,vivem juntas e alimentam grande parte da nossa populacão, e um ajuda o outro… Para aqueles que não concordam, sugiro leu um pouco mais, e não ficarem passando fakes e opiniões mal informadas