Nos últimos 14 anos, agravaram-se os problemas do sistema penitenciário brasileiro. A população carcerária cresceu 168% nesse período, e hoje 622 mil presos ocupam os presídios com capacidade para apenas 371 mil pessoas.
O Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, ficando atrás apenas da Rússia (673.800), China (1,6 milhão) e Estados Unidos (2,2 milhões). Segundo o Ministério da Justiça, se a taxa de prisões no país continuar a crescer no mesmo ritmo, um em cada 10 brasileiros estará atrás das grades em 2075.
Com a crise do sistema prisional brasileiro se mostrando tão grave, que caminhos seguir para reverter esse problema? Uma das alternativas é a redução da população carcerária por meio de programas de remição de pena através do estudo e do trabalho.
Já explicamos como funciona a diminuição da pena através do estudo. Veja agora de que forma o trabalho é utilizado para diminuir a superlotação carcerária e preparar as pessoas privadas de liberdade para sua reinserção na vida social.
A REMISSÃO DA PENA ATRAVÉS DO TRABALHO
O artigo 6 da Constituição Federal expressa o trabalho como um direito social garantido a todos os cidadãos. Para evitar que esse direito seja esquecido dentro das prisões brasileiras, o artigo 41 da Lei nº 7.210/84, também conhecida como Lei de Execução Penal (LEP) elenca o trabalho como um dos direitos garantidos às pessoas privadas de liberdade.
As atividades de trabalho nas prisões atendem a dois principais objetivos: ressocializar o preso e diminuir a superlotação carcerária através da remição de pena. A remição de pena é um instrumento pelo qual o preso tem parte da sua condenação reduzida por meio do exercício de atividade educacional ou de trabalho. A remição através do trabalho está prevista no artigo 126 da Lei de Execuções Penais.
Pela regra, a cada três dias de trabalho realizado, o preso tem direito a menos um dia de pena. Mas essa forma de remição só é válida para presos que cumpram a pena em regime fechado ou semiaberto. O trabalho pode ser realizado dentro ou fora da unidade penitenciária, desde que cumprida a jornada normal de trabalho: não pode ser inferior a 6 horas diárias e nem superior a 8 horas ao dia.
Ainda que o trabalho do preso não esteja sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a atividade de trabalho desempenhada pelo condenado deve ter remuneração não inferior a três quartos do salário mínimo. Essa remuneração deve atender prioritariamente à reparação do dano causado pelo crime, assistência à família e pequenas despesas pessoais.
O TRABALHO COMO FORMA DE RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO
Uma das principais preocupações acerca do sistema prisional é a reeducação dos presos, preparando-os para retornarem ao convívio social e evitando o reingresso à criminalidade. Apesar da ressocialização ser garantida pela Lei de Execução Penal, a taxa de reincidência (ex-presos que voltam a cometer crimes) atinge níveis alarmantes: entre 30% e 80%, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O objetivo da ressocialização pelo trabalho é enfrentar um dos maiores obstáculos enfrentados pelos condenados após adquirirem a liberdade: o ingresso no mercado de trabalho. A maioria dos presos chega ao cárcere com baixa escolaridade e pouca ou nenhuma experiência profissional. Somando-se a isso o estigma que a sociedade ainda tem em relação aos condenados, fica difícil para o preso conseguir emprego. A atividade laboral visa proporcionar aos presos o aprendizado de algum ofício, para que assim eles tenham conhecimento e experiência profissional quando retornarem ao convívio social.
O trabalho proporciona ao condenado outros benefícios, como maior condicionamento psicológico, comprometimento social e formação da personalidade. Também ajuda a evitar o ócio, prevenindo as rebeliões e as organizações criminosas dentro das prisões. Além disso, por ser remunerado, o trabalho permite ao condenado dispor de algum dinheiro para ajudar nas necessidades da família.
Possibilitar que o preso desempenhe atividades laborais permite, portanto, que, ao retornar à sociedade, o condenado tenha outras opções que não voltar ao crime, e assim devolver para a sociedade um indivíduo com condições para mudar de vida.
O sistema de ressocialização através do trabalho já funciona em inúmeros presídios brasileiros. Em uma instituição prisional de Paracatu (MG), a 200 quilômetros de Brasília, os presos estudam e trabalham nas oficinas de artesanato, padaria, cozinha e marcenaria do presídio, além de se revezarem em tarefas como a segurança de outros detentos e a manutenção da instituição.
Sem registro de rebelião ou motim em seus 10 anos de funcionamento, o modelo de gestão realizado em Paracatu tem conseguido recuperar cerca de 60% dos presos, que cumprem penas por homicídio, estupro, tráfico, roubo, estelionato ou associação criminosa. Todos foram transferidos de presídios tradicionais onde apresentaram bom comportamento (um dos pré-requisitos) e hoje trabalham para ajudar na renda da família ou cobrir pequenas despesas na prisão.
APESAR DA LEGISLAÇÃO, POUCOS PRESOS ESTÃO TRABALHANDO
Ainda que a Lei de Execução Penal determine a possibilidade de trabalho aos presos como forma de remição da pena, nem todas as unidades do sistema prisional cumprem essa regra. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), apenas 16% da população prisional brasileira trabalha, o equivalente a pouco mais de 106 mil pessoas.
Entre os presos que trabalham, três em cada dez exercem atividade fora do estabelecimento prisional. De todos os condenados exercendo atividades laborais, 34% estão trabalhando em vagas obtidas por meios próprios, sem intervenção do sistema prisional, e outros 34% trabalham em apoio ao próprio estabelecimento, desempenhando atividades como limpeza e alimentação. Em pouco mais de um terço dos casos, houve articulação da administração prisional com a iniciativa privada, com outros órgãos públicos ou com entidades filantrópicas para a disponibilidade de vagas.
De todas das unidades prisionais brasileiras, apenas 22% possuem oficinas destinadas ao trabalho em suas instalações, a maior parte delas são de artesanato, corte e costura. Apesar da pouca quantidade de prisões com oficinas de trabalho, o Infopen aponta que boa parte das prisões dispõe de espaço suficiente para a construção de oficinas e, portanto, poderiam atender às exigências da LEP.
Por mais crítica que seja a crise no sistema penitenciário brasileiro, existem diversas alternativas a esse cenário, muitas delas previstas na própria legislação. Você acha que o trabalho é uma opção possível? O Brasil deve investir nesse sistema? Compartilhe a sua opinião!
Quer ler mais sobre o assunto? Veja esses posts: