Você provavelmente conhece alguém com um trabalho informal, sem proteções trabalhistas, e cujo salário é insuficiente para sustentar uma vida digna. Geralmente, essas situações são conhecidas como “bicos”. Contudo, os “bicos” são apenas um tipo de trabalho precarizado.
Geralmente, formas de trabalho precarizado são mais comuns em países subdesenvolvidos, como o Brasil. Mas qual é a causa principal de uma condição de trabalho tão indigna?
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Conceito e origem da precarização
Primeiro, precisamos conceituar as coisas: emprego mal remunerado, inseguro, com renda incapaz de sustentar o indivíduo e sua família, nada mais é do que um trabalho precarizado.
A precarização é fruto do processo de globalização. Em análise às formas como a indústria se desenvolveu tão rapidamente e os postos de trabalho mudaram em menos de 100 anos, é perceptível que a classe trabalhadora foi diretamente afetada.
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Com o avanço tecnológico, postos de trabalho que antes empregavam grande parte da sociedade foram substituídos por máquinas, deixando uma grande parcela de trabalhadores sem emprego.
Talvez, a melhor forma de exemplificar isso seja relembrando da cena clássica do filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, do diretor Tim Burton, lançado em 2006. Nela, o pai do personagem de Charlie Bucket trabalha em uma fábrica de pasta de dentes, colocando tampinhas em cada uma das pastas.
Todavia, assim que a empresa passa a crescer, eles substituem o posto de trabalho do pai de Charlie por uma máquina que automaticamente coloca tampas nas pastas de dente, e ele é demitido. Assim como no filme, a realidade dos postos de trabalho não é muito diferente.
O aumento das taxas de desemprego remonta a dois períodos principais: o pós Segunda Guerra Mundial e a crise mundial dos anos 1970, quando uma desregulamentação do sistema monetário internacional fez com que países desenvolvidos tivessem seu crescimento estagnado.
A alternativa escolhida para reerguer mercados foi alternar os modos produtivos, utilizando-se de novas tecnologias. Isso, é claro, impactou diretamente na mão de obra humana.
A mão de obra humana é cara, possui restrições quanto a horários, à necessidade de pausas para refeições, e de descanso com férias remuneradas. Por isso, as empresas abraçaram a oportunidade de substituir humanos por máquinas quando a tecnologia permitiu.
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Essa mudança na cadeia produtiva dos bens consumidos fez com que uma nova forma de economia surgisse, não mais pautada em produzir bens, mas sim em prestar serviços.
Por isso, com a redução dos postos de trabalho houve um aumento gigantesco de trabalhadores informais, que ao invés de exercerem seu labor em fábricas, como era antigamente, agora vivem sem vínculos de emprego, prestando serviços de conserto dessas máquinas, por exemplo.
É também o que acontece com o pai de Charlie. Depois de ser substituído pela máquina que ocupou seu local de trabalho, ele começa a atuar como mecânico daquela máquina específica. Ou seja, deixa de ajudar a produzir um bem e passa a prestar um serviço.
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Produção de um Bem x Prestação de Serviço
Mas você, caro leitor, deve estar pensando: onde está o problema na prestação de serviços? Ora, ele continuou a ter um emprego.
Acontece que, a nova forma de emprego do pai de Charlie e a de grande parte dos trabalhadores dessa nova economia, pautada na prestação de serviços, é informal. Muitas das ocupações dentro desse regime de contratação são mal remuneradas, inseguras, desprotegidas e, ainda, incapazes de sustentar o indivíduo ou sua família.
É o famoso trabalho informal, sem vínculo de emprego com qualquer empresa, sem direito a férias e sem um valor fixo pela prestação daquele serviço. Trata-se então de uma inexistência de previsibilidade ou segurança, afetando diretamente o bem-estar material e psicológico do trabalhador. Imagina não ter certeza se no próximo mês você terá dinheiro o suficiente para colocar comida na mesa da sua casa?
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O que dizem os trabalhadores precarizados?
Em um relato à Carta Capital, Vilson Nobre, 32, conta que se inscreveu no aplicativo da Uber após perder seu emprego anterior, de segurança de carros-fortes. Pai de três filhos, viu-se forçado pelas circunstâncias a trabalhar de 12 a 18 horas diárias para obter 6 mil reais mensais, dos quais 20 a 35% são repassados à Uber, e outra grande parcela é absorvida por custos com combustível e manutenção do veículo.
Neste ritmo de trabalho, consegue complementar a renda da esposa com cerca de R$2500,00. Nas palavras de Nobre, que no momento da entrevista distribuía currículos com a esperança de encontrar um emprego estável, “O Uber foi criado para complemento, não sobrevivência…”.
A mesma reportagem traz também o caso de Daniel Freitas, 32, que então trabalhava como entregador de aplicativo, realizando dez entregas diárias por 2 mil reais mensais. No caso dele, a empresa exigiu CNPJ (MEI) para o registro, encaixando-se na categoria de “terceirização”.
Deste modo, ele precisa contribuir com o INSS, o que oferece alguns benefícios: “O bom trabalhador merece um apoio caso apareça um imprevisto”. Contudo, uma aposentadoria equivalente aos 2 mil reais atuais demandaria uma economia de 500 reais mensais por 30 anos.
Em 4 de março de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou ao congresso um Projeto de Lei com objetivo de criar direitos trabalhistas para motoristas de aplicativos. Contudo, o projeto foi recebido com críticas.
O projeto propõe uma jornada máxima de 12 horas por plataforma, assegurando remuneração mínima de R$ 1.412 para 8 horas diárias, e de R$ 32,10 por hora trabalhada. Introduz, também, a categoria “trabalhador autônomo por plataforma”, com direitos previdenciários para mulheres, incluindo Auxílio Maternidade, sem exigir vínculo de exclusividade. Além disso, prevê a formação de um sindicato específico e exige transparência nas regras de oferta de viagens.
As críticas focam na limitação da jornada de trabalho, já que muitos motoristas trabalharam mais de 12 horas por dia atualmente. Há também preocupação acerca do valor mínimo por hora, que pode não cobrir custos operacionais, temendo que isso justifique repasses menores pelas empresas. Além disso, a imposição de uma taxa fixa de contribuição previdenciária limita a escolha dos motoristas, que preferem opções mais flexíveis como o MEI, oferecendo benefícios com custos menores.
O presidente da Associação dos Motoristas de Aplicativos de São Paulo (Amasp), Eduardo Lima de Souza, disse em entrevista ao G1: “Questionamos o governo: por que apenas os sindicatos foram chamados, sendo que eles não representam a classe dos motoristas? […] Agora, as associações estão trabalhando no Congresso para alterar o texto”.
Dados estatísticos do trabalho precarizado
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou que, em 2021, a taxa de informalidade foi de 40,1% da população ocupada, ou seja, 38,7 milhões de trabalhadores são informais no Brasil.
As estatísticas ainda mostram que, em sua maioria, tratam-se de homens, jovens, pretos e de baixa escolaridade. Cerca de 75% têm o ensino fundamental incompleto ou inferior, número que cresce para 80% entre aqueles com 14 a 17 anos.
Afetando uma classe social de pessoas de baixa renda e baixo nível escolar, a informalidade se retroalimenta. Afinal, como alguém que mal consegue colocar comida no prato pagará por um curso de qualificação que o permitiria ter um emprego melhor e mais bem pago?
Embora a educação não seja garantidora de acesso a empregos formais e mais produtivos, é certamente um fator importante. Estimativas da Organização Internacional do Trabalho mostram que, em todos os lugares e status de emprego, níveis de educação maiores levam a uma ocupação maior de postos formais de trabalho com uma redução dos informais.
Além disso, as taxas de pobreza são mais altas entre trabalhadores no emprego informal em comparação com os trabalhadores no emprego formal, ou porque auferem rendimentos mais baixos ou porque, apesar de rendimentos de trabalho dignos, partilham os seus rendimentos com um elevado número de dependentes econômicos no núcleo familiar.
Além disso, a crise econômica gerada pela pandemia de Covid-19 elevou a taxa de informalidade, e apesar da recuperação econômica, ainda não foi possível realocar todos desempregados existentes no Brasil.
E aí, você conhece alguém que faz parte dessa nova classe de trabalhadores que estão surgindo? Você conhece alguém em um trabalho precarizado? Conta pra gente!
Referências:
- A Globalização e a Crise do Desemprego: Política de Austeridade como Solução para a Crise do Desemprego na Europa
- A Crise Mundial dos Anos 70
- CNN: 60% dos Trabalhadores Informais no Brasil Fazem “Bicos” para Sobreviver
- Valor Econômico: Trabalho Informal Bate Recorde e Deve Continuar a Crescer no Brasil
- OIT: Informalidade e formas de emprego fora do padrão
1 comentário em “Informalidade: analisando a origem do trabalho precarizado”
Muito triste essa realidade nossa . Embora o governo venha tentado diminuir essas condições de trabalho,aínda resta muita consciência e força de vontade das autoridades política desse país em reverter essa realidade…