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Como a cobrança de tributos pode promover a justiça social?
25 jul 2023
25 jul 2023

Como a cobrança de tributos pode promover a justiça social?

Como a cobrança de tributos pode promover a justiça social?

A desigualdade é um problema que afeta todo o mundo. Em 2022, o Relatório Mundial da Desigualdade revelou que os 10% mais ricos possuíam 76% da riqueza e 52% da renda, enquanto apenas 2% da riqueza e 8,5% da renda eram compartilhados pelo restante da população mundial. Essa diferença já havia sido apontada no relatório de 2018. Nesse contexto, a justiça social tem papel fundamental.

No Brasil, essa desigualdade de distribuição de riquezas e renda também acontece. Tal situação é resultado de vários fatores históricos que levaram à concentração de patrimônio. Para combater essas diferenças, a justiça social se torna essencial.

Podemos definir a justiça social como a tentativa do Estado e das instituições não governamentais de diminuir as desigualdades sociais. Segundo John Rawls, algumas ações poderiam ajudar a alcançar tal justiça, sendo elas: 

  • garantia de liberdades fundamentais para todos;  
  • igualdade de oportunidades;
  • desigualdades apenas para favorecer aqueles com menos condições.

Quer entender como a tributação se relaciona com a promoção da justiça social? Então, siga com a gente! Neste texto, apresentaremos como a progressividade na cobrança de tributos pode promover o equilíbrio social.

O projeto Tributos e Desigualdade é uma realização do Instituto Mattos Filho, produzido pela Civicus em parceria com a Politize!. Juntos, temos o objetivo de levar conhecimento e informações sobre a tributação no Brasil e seus impactos sobre as desigualdades.

→ Neste eixo do projeto, conversamos com a Luiza Guanabara, estagiária de direito tributário do Mattos Filhos e discutimos qual o papel da tributação no combate às desigualdades. Confere esse papo aqui:

Quais são as formas de definir as cobranças de tributos?

Alguns tributos são calculados por meio de alíquotas, que representam um percentual aplicado sobre um ganho ou patrimônio, definindo o valor a ser pago. Por exemplo, se o tributo incidente sobre uma receita de R$3.500 for calculado com uma alíquota de 7,5%, o imposto devido custará R$ 262,50 para o contribuinte. Esse percentual é definido pelo Estado.

As alíquotas podem ser utilizadas de três formas:

  • Sistema proporcional: é uma forma de tributação em que a alíquota é fixa e o valor do tributo a ser pago é diretamente proporcional ao valor do bem ou serviço tributado. Ou seja, pode-se definir que haverá uma cobrança de 10%, por exemplo, independente dos valores sobre o qual o percentual será aplicado. 
  • Sistema progressivo: a alíquota aumenta conforme a renda ou o patrimônio do contribuinte aumenta. Com isso, o percentual que for aplicado sobre dez mil reais será maior se comparado com outro aplicado sobre cinco mil reais.
  • Sistema regressivo: nesse caso, a alíquota diminui conforme a renda ou patrimônio do contribuinte aumenta, ou seja, é o oposto do sistema progressivo. Nele, quem ganha menos acaba pagando uma proporção maior da sua renda em tributos. 

Nesse contexto, a progressividade seria uma forma de cobrar mais das pessoas que possuem maior renda/patrimônio e, dessa forma, haveria uma promoção da justiça social – já que ela é caracterizada pela busca por equidade

A cobrança progressiva se torna uma ferramenta no combate à desigualdade, pois possibilita que pessoas ou empresas com mais riquezas contribuam com um valor maior, devido ao ajuste da alíquota. Dessa forma, um patrimônio que estava concentrado em um pequeno grupo passa a pertencer ao Estado que pode direcioná-lo para promoção e manutenção de políticas públicas. 

→ Para saber mais sobre essas políticas, acesse nosso texto: Tributação e garantia de políticas públicas: entenda essa relação

Assim, podemos definir a cobrança progressiva de tributos como o aumento gradual de determinada alíquota de acordo com os critérios definidos por lei. Isso não significa que haverá alíquotas diferentes entre contribuintes em situação equivalente, já que progressividade e proporcionalidade são conceitos diferentes. Dessa forma, tem-se o seguinte:

  • A progressividade é caracterizada pelo aumento da alíquota conforme há aumento da base de cálculo. 
  • A proporcionalidade define que, com as alíquotas fixadas por lei, não haverá mudança no percentual entre contribuintes, o valor arrecadado só será diferente devido às distintas bases de cálculo sobre as quais o percentual for aplicado. 

No Brasil, a cobrança de alguns tributos é feita de forma progressiva. Isso ocorre porque a Constituição estabelece dois princípios utilizados para limitar o poder de tributação – visando evitar que o Estado tenha atitudes que prejudiquem os cidadãos – e impossibilitando cobranças excessivas, sendo eles o princípio da isonomia e o princípio da capacidade contributiva. Logo, a progressividade é garantida constitucionalmente.

O princípio da isonomia

O princípio da isonomia está previsto no artigo 150, II, da Constituição Federal. Ele define que o Estado não pode dar tratamento desigual entre pessoas que se encontrem em situação equivalente, sem discriminação ou privilégios. Por exemplo: no caso de duas pessoas receberem R$ 2.500 reais de salário, o princípio da isonomia estabelece que o Estado não pode cobrar uma alíquota de 5% de imposto sobre a renda de uma pessoa e 7,5% da outra. Se ambas possuem a mesma renda, deverão ser tributadas da mesma forma, sem diferenciação.

Como esse princípio prioriza a igualdade, um tratamento desigual será justificado quando houver situações desiguais. Dessa maneira, uma pessoa com renda de R$1.500 reais não pode pagar a mesma alíquota de imposto de renda que outra com salário de R$25.000. A diferenciação se justifica com o objetivo de promover a igualdade no tratamento, pois há diferença de renda entre as partes, isso se baseia apenas no aspecto material.

O princípio da capacidade contributiva

Outro princípio garantido pela Constituição e previsto no artigo 145, § 1º dela é o da capacidade contributiva. Nele, é definido que os impostos deverão ser, sempre que possível, graduados conforme a capacidade que cada contribuinte possui de pagá-lo – a chamada “capacidade contributiva”. 

Nem todos os impostos são cobrados dessa forma, pois tal cobrança só é estabelecida “quando possível”. Ou seja, essa tentativa de ajustar a cobrança conforme a capacidade financeira de cada cidadão pode variar de acordo com o contexto em que determinado tributo é aplicado e pode ser implementada por meio de ajustes graduais na alíquota.

Como a progressividade é aplicada na tributação brasileira?

Devido às garantias constitucionais e aos princípios da isonomia e capacidade contributiva, a cobrança progressiva de tributos será aplicada sempre que possível. Ela pode ser vista, principalmente, na cobrança de Imposto sobre Renda e no IPTU (Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana). 

O  artigo 153, § 2 da Constituição define que o Imposto sobre a Renda “será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei”. Assim, além de seguir os preceitos da isonomia e da capacidade contributiva, para esse imposto a Constituição Federal instituiu ainda a necessidade de progressividade.

Isso é visível na tabela do imposto de renda, já que nela podemos observar a existência de uma faixa de isenção, ou seja, pessoas que não serão cobradas. Outra evidência são as alíquotas que aumentam de forma gradual conforme há um aumento da renda do contribuinte, até chegar no percentual máximo de cobrança. 

No caso do IPTU, o artigo 156, §1º da Constituição define que deverá ser cobrado de forma progressiva, considerando o valor do imóvel ou a localização dele. Há outro artigo que também define outro tipo de aplicação de progressividade para esse imposto, o artigo 182, §4º, II, que somado ao dispositivo anterior, define que a progressividade também deve ser aplicada considerando a função social do imóvel.

Imagem em preto e branco com uma casinha de madeira sobre uma calculadora para representar as cobranças de IPTU.
A cobrança de IPTU promove a justiça social por meio da progressividade. Imagem: Freepik.

Nesse caso, a progressividade se relaciona com a função social e funciona como uma “penalidade”. Se o imóvel não cumpre sua função social, como, por exemplo, um terreno sem uso numa região que precisa de desenvolvimento, a alíquota do IPTU aumentará gradativamente. Isso serve como incentivo para que o proprietário utilize o imóvel de forma adequada e contribua para o desenvolvimento local. 

Por que essa cobrança progressiva é importante?

A cobrança progressiva é importante, pois funciona como uma forma de buscar justiça e igualdade na tributação. Isso é tão essencial que está garantido pela Constituição por meio dos princípios da isonomia e capacidade contributiva, além dos direcionamentos específicos para cobrança de Imposto sobre a renda e IPTU.

Essas ações podem ser caracterizadas como políticas fiscais pautadas em equidade, já que buscam se ajustar à realidade e à capacidade contributiva dos cidadãos. Tal tentativa utiliza de um tratamento diferente, “desigual”, para melhorar as condições de vida das pessoas em situação vulnerável, fazendo com que mais pessoas tenham acesso a direitos básicos e qualidade de vida

No contexto brasileiro, tal ação se torna ainda mais importante devido à alta concentração de renda e terras. Isso porque a cobrança progressiva de tributos possibilita que pessoas com mais riquezas contribuam mais e o Estado poderá redistribuir isso diminuindo a desigualdade no país. 

A cobrança progressiva de tributos tem sido satisfatória para combater a desigualdade no Brasil?

Embora tenhamos mecanismos na Constituição que garantem a cobrança progressiva de alguns tributos, sendo importante reconhecer que essas garantias representam avanços na história da tributação do país, é necessário reconhecer que é possível que a sua aplicação seja aprimorada para tornar mais efetiva a busca pela justiça social

Sobre isso, Demerson Ferreira, advogado de direito tributário do escritório Mattos Filho, afirma que apenas a progressividade do imposto sobre a renda não é suficiente para combater a desigualdade no país, porque a maior parte da arrecadação não decorre desse imposto.

Além disso, há um consenso que a tributação brasileira acentua a desigualdade devido à concentração de tributos sobre o consumo. Isso dialoga com o pensamento de Demerson, já que, apesar do ganho que a cobrança progressiva traz para sociedade, ela não é tão efetiva, pois não corresponde à principal forma de arrecadação no país. Para acessar os comentários na íntegra, veja nosso vídeo Tributos e Desigualdade: qual a relação entre eles?

Portanto, a cobrança progressiva tem um papel muito importante na tributação, mas, para que seus efeitos sejam mais efetivos no combate à desigualdade, é necessário que melhorias sejam implementadas. 

Conclusão

No Brasil, é previsto na Constituição que o tributo sobre a renda e sobre as propriedades seja progressivo. Além disso, há os princípios de isonomia e capacidade contributiva que também consideram a promoção da justiça social.

Com isso, percebemos que existem mecanismos para garantir que a tributação seja empregada como uma ferramenta de promoção de políticas públicas e de equidade, embora ainda precisem ser melhoradas para se tornarem mais efetivas. 

Nesse sentido, aprofundaremos a discussão sobre a relação entre tributação e questões sociais para pensarmos mais sobre o potencial dela como uma ferramenta para promover a equidade. Se quiser entender como a tributação pode promover a igualdade racial, siga com a gente porque é sobre isso que falaremos no próximo post! Continue acompanhando o projeto em nosso site!

→ Neste vídeo, apresentamos de forma simples e didática qual o papel da tributação no combate à desigualdade. Clique no play para começar:

Autores:
  1. Amanda Casseb Reis Ramos
  2. Isabele Monteiro Zeitune
  3. Leonardo Linck Squillace
  4. Luiza Linardi Guanabara
  5. Mariana Mativi
  6. Marina da Silva Costa
  7. Pamela Vieira de Souza Ramagnoli
  8. Pâmela Larissa Miguel Gottardini
  9. Raimundo Vinicius
Fontes:
  1. Instituto Mattos Filho;
  2. Desigualdade Global e Desenvolvimento
  3. Justiça Social: Conceito e Importância
  4. Artigo 150, CRFB
  5. Artigo 145, CRFB
  6. Artigo 153, CRFB
  7. Projeto Equidade

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