A reforma tributária de 2023 promete impactar toda a população – as pessoas e as empresas, seja aquelas que produzem algo seja as que prestam algum tipo de serviço.
Ela deve ser baseada nos princípios da Constituição e tem como objetivo promover o desenvolvimento nacional, além de tentar melhorar aspectos considerados negativos do nosso sistema tributário – como a alta concentração de tributos indiretos, falta de transparência e o excesso e complexidade de obrigações que dificultam o cumprimento por parte dos contribuintes.
Mas… será que isso pode, realmente, impactar a desigualdade no Brasil? Neste texto, explicaremos, de forma descomplicada, quais mudanças podem ser implementadas pela reforma tributária de 2023, caso ela seja aprovada pelo Senado Federal, e quais são os possíveis impactos na desigualdade brasileira. Porém, caso não seja, o projeto retornará para avaliação da Câmara novamente. Segue com a gente para saber mais!
O projeto Tributos e Desigualdade é uma realização do Instituto Mattos Filho, produzido pela Civicus em parceria com a Politize!. Juntos, temos o objetivo de levar conhecimento e informações sobre a tributação no Brasil e seus impactos sobre as desigualdades.
O que é a reforma tributária de 2023?
É importante pontuar que discussões sobre o sistema tributário são constantes e, no Brasil, isso foi intensificado com propostas de reforma tributária que foram apresentadas entre 2019 e 2021. São elas: as duas Propostas de Emenda à Constituição, PEC 45 e 110, e um Projeto de Lei, o PL nº 2.337/2021.
Em julho de 2023, a PEC 45 foi aprovada na Câmara dos Deputados após votação em dois turnos. No segundo turno, dos 491 votos, 375 foram a favor da aprovação e, com isso, a proposta seguiu para o Senado, que iniciou no dia 28 de agosto o ciclo de oito audiências públicas sobre a reforma.
Como uma mudança constitucional foi apresentada, o processo para aprovação pode ser demorado, pois é necessário seguir todas as etapas legislativas. No caso da PEC 45, desde 2019 ela está em tramitação e, após a aprovação da Câmara dos Deputados, seguiu para o Senado – a avaliação neste âmbito foi iniciada em agosto de 2023 e, caso o projeto seja aprovado, será encaminhado para o Presidente da República.
O que muda com a reforma tributária de 2023?
O texto aprovado pela Câmara dos Deputados propõe alterações relevantes ao sistema tributário nacional, especialmente no que se refere aos tributos incidentes sobre o consumo, com o objetivo de simplificar o sistema tributário brasileiro. Para isso, foca em mudanças de tributos sobre a produção e a comercialização de bens e serviços, os chamados “tributos indiretos”.
IVA – Imposto sobre valor agregado
O imposto sobre valor agregado corresponde à cobrança de impostos e contribuições sobre Bens e Serviços e, por isso, é também chamado de Imposto sobre Valor Agregado (IVA Dual).
Apesar de não haver previsão expressa na redação da PEC 45 de que, se aprovada a reforma tributária, será implementado um IVA dual, isso é o que tem sido endereçado pelos advogados tributaristas e estudiosos do tema. Em resumo, a criação do IVA Dual, busca promover a simplificação das cobranças, pois cinco tributos serão substituídos por dois.
- Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, substituirá: PIS e o Cofins.
- Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com gestão compartilhada entre estados e municípios, unifica ICMS e ISS.
Além do IVA Dual, a reforma tributária propõe a criação de um novo tributo, o Imposto Seletivo que, de certa maneira, substituirá o IPI e que incidirá sobre a produção, comercialização ou importação de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Você pode estar se perguntando: “Mas quanto vai custar?”. Nesse momento, ainda não foi definido exatamente qual a alíquota para cada tipo de serviço ou produto. Segundo a proposta em discussão, o Senado Federal estabelecerá uma alíquota de referência para o IBS. Cada ente federativo estabelecerá uma alíquota única para todos os bens e serviços, podendo ser vinculada à alíquota de referência.
Assim, ainda é incerta, no atual momento de tramitação da proposta no Senado, quais serão os percentuais de cobrança de referência que funcionarão como base para definição futura de alíquotas para cada tipo de bem ou serviço específico. Apesar disso, a alíquota estimada em estudo realizado pelo Ministério da Fazenda é de 20,73% a 27%, para o IBS + CBS.
Haverá benefício ou tratamento diferenciado para o IBS e a CBS?
É possível que haja a concessão de benefícios para alguns tipos de bens e serviços, tais como: medicamentos, serviços de educação superior, dispositivos médicos, produtos voltados para saúde menstrual, entre outros. No projeto em tramitação no Senado Federal, há previsão de tratamentos diferenciados específicos por setor, além da possibilidade de redução da alíquota em 100% ou 60%. Tudo isso será definido por meio de Lei Complementar.
Cesta básica nacional
Durante a tramitação na Câmara dos Deputados, foi incluído no texto a criação de uma cesta básica nacional – os alimentos que fizerem parte dela estarão isentos de qualquer tipo de tributo. A definição de qual tipo de produto será considerado parte da cesta básica depende de Lei Complementar, ela será elaborada, votada e promulgada após a aprovação da reforma.
Imposto Seletivo
É previsto que o imposto seletivo seja de competência federal e que a arrecadação seja dividida com os estados e municípios. Ele será cobrado sobre produtos e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, podendo ser cobrado tanto na produção quanto na comercialização. Há muitas discussões quanto à definição deste conceito – o que seriam produtos e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Caso o texto seja aprovado pelo Senado dessa forma, definição sobre o tema caberá à Lei Complementar.
Esse imposto reforça o caráter extrafiscal do tributo, ou seja, ele tem objetivos que vão além da arrecadação, pretende promover, por meio da cobrança, práticas mais positivas para as pessoas e o meio ambiente.
Fundo de Desenvolvimento Regional
O Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) tem previsão para ser iniciado em 2029, o objetivo dele é reduzir as desigualdades regionais. Inicialmente, seriam investidos 8 bilhões de reais e, após 2033, 40 bilhões de reais por ano. Até julho de 2023, não havia uma definição de como o valor seria distribuído entre os estados.
Cashback
É comum escutarmos o termo “cashback” em algumas propagandas, e é isso mesmo que você pensou: após pagar o imposto, o valor, ou parte dele, seria “devolvido”. No contexto da reforma, o cashback contemplará apenas as pessoas de grupos mais vulneráveis, ou seja, apenas aqueles que não conseguem arcar com o imposto. Aqui, entra a noção de capacidade contributiva que falamos no texto: Como a cobrança de tributos pode promover a justiça social?. Essa ação tem o objetivo de reduzir a desigualdade de renda entre as pessoas, parecido com a restituição que já ocorre no imposto sobre a renda.
Detalhes como a forma como o dinheiro será devolvido, os grupos que terão acesso a isso e outras especificidades também só serão definidas futuramente por meio de Lei Complementar.
Mudanças no IPVA
E o imposto sobre veículos? Esse também sofrerá mudanças. Veículos automotores como lanchas, jatinhos, helicópteros, iates e jet skis estarão inclusos no rol de cobrança do IPVA. Além disso, é possível que o imposto seja cobrado de forma progressiva em função do tipo, do valor, da utilização e do impacto ambiental gerado pelo veículo. Dessa forma, veículos mais poluentes pagariam mais.
Quando a reforma tributária de 2023 começa a valer?
Para que a implementação ocorra de fato, ainda é necessária a aprovação do Senado e do presidente, até lá, alguns aspectos do texto ainda podem mudar. Mesmo se aprovada, as mudanças não serão implementadas de um dia para o outro, haverá um período de transição no qual seguirão vigentes as regras atuais por um tempo e depois serão gradualmente substituídas pelas previsões aprovadas da PEC 45, já que a reforma tributária de 2023 prevê muitas alterações.
O processo será iniciado em 2029 e terminará em 2032, sendo que, nos anos iniciais, haverá uma fase teste do IVA Dual. Em 2027, o PIS e o Cofins serão extintos e a alíquota de IPI zerada (exceto em relação à produtos que são fabricados na Zona Franca de Manaus). A partir de 2029, haverá uma redução progressiva de ICMS e ISS para que o percentual de cobrança do IVA Dual aumente e substitua as cobranças anteriores. É previsto que apenas em 2032 o período de transição seja concluído.
A reforma tributária de 2023 pode diminuir a desigualdade no Brasil?
Como citamos anteriormente, o sistema tributário brasileiro é pouco transparente em diversos âmbitos e isso dificulta analisar, antes da aprovação total da reforma, quais serão os impactos exatos, tanto positivos quanto negativos. O advogado de direito tributário, Pedro Adams, do escritório Mattos Filho, apresentou as questões que dificultam uma análise mais detalhada em nosso podcast. Ouça o episódio aqui:
De modo geral, é possível perceber que a reforma tributária de 2023 apresenta mecanismos no combate à desigualdade, como o Fundo de Desenvolvimento Nacional, o Cashback e a Cesta Básica Nacional que, se implementados de maneira adequada, podem promover a redução de desigualdades sociais. Além disso, a criação do Imposto Seletivo pode ser positiva, já que, devido ao caráter extrafiscal, é possível desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Conclusão
Tanto os especialistas quanto às recomendações da OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, apresentavam a necessidade de ajustes na tributação brasileira visando um aumento da transparência e uma diminuição na alta cobrança de impostos indiretos, aqueles sobre o consumo. Nesse sentido, a reforma tributária de 2023 surge como resultado dos debates que ocorrem há anos e, principalmente, desde 2019 com a apresentação das PECs 45 e 110.
Apesar de ser difícil definir os impactos dessas mudanças de modo preciso, o secretário extraordinário de Reforma Tributária, Bernardo Appy, afirmou que as mudanças terão um efeito neutro no conjunto de impostos. Ou seja, não é esperado que haja um aumento da carga tributária ou da cobrança para os contribuintes, apenas a forma como o dinheiro é arrecadado seria modificado.
Essa neutralidade decorre do entendimento de que ainda que a reforma tributária venha a aumentar a carga tributária incidente sobre a prestação dos serviços, por exemplo, poderá reduzir a carga tributária incidente sobre a indústria, de modo que, de forma geral, o efeito como um todo seria equalizado. Tal entendimento é bastante questionado e criticado, já que muito se discute quanto aos efeitos diferentes que a implementação da reforma tributária terá sobre cada setor da economia, produto, contribuinte e região do país.
Ao longo do projeto Tributos e Desigualdades tivemos dois objetivos principais: explicar a tributação de modo descomplicado e apresentar possíveis relações entre ela e a desigualdade no país.
Com isso, percebemos que a tributação afeta muito a nossa vida e pode contribuir para as desigualdades. Quanto às mudanças propostas pela reforma tributária de 2023, é necessário nos mantermos informados para compreender, cada vez mais, como isso afeta cada um de nós.
Veja o vídeo resumo sobre as reformas tributárias no Brasil e os seus impactos na desigualdade brasileira:
Autores:
- Carolina Barbosa de Alvarenga
- Giuliana Cesani de Oliveira
- Helórya Santiago de Souza
- Leonardo Linck Squillace
- Lucas Sousa Guedes
- Luiza Linardi Guanabara
- Mariana Mativi
- Natalie Matos Silva
- Rafael de Marchi Andrade
Fontes:
- Instituto Mattos Filho;
- O que você precisa saber sobre a reforma tributária?
- Câmara dos Deputados aprova em dois turnos a PEC que faz a Reforma Tributária
- CCJ inicia ciclo de audiências sobre reforma tributária na terça
- Senado realiza sua primeira audiência pública sobre a PEC 45/2019
- Entenda a reforma aprovada pela Câmara