O voto é um dos principais instrumentos que efetiva o regime democrático no Brasil, por meio do qual o eleitor escolhe representantes que vão tomar decisões com o objetivo de garantir o bem-estar da sociedade e a manutenção das instituições e direitos relacionados. Porém, a nossa história apresenta formas que não representam esses princípios, como o voto de cabresto.
Você já ouviu falar em “voto de cabresto“? Ainda não? Opa! Então você veio no lugar certo!
Para iniciar, vamos à definição mais básica sobre o que é o voto de cabresto. De acordo com Glossário Eleitoral do TSE: “Diz-se do voto dado pelo eleitor aos candidatos que lhe são inculcados por um chefe político ou cabo eleitoral, sem que o votante – denominado ‘eleitor de cabresto’ – saiba exatamente em quem vota, ou por que vota”.
Se ainda ficou confuso, guarde essa definição e pode deixar que a Politize! te ajuda a entender sobre o assunto em mais detalhes, basta continuar a leitura que seguiremos mostrando o contexto histórico e seu funcionamento.
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A história do voto no Brasil e seu processo de transformação
Antes de entramos na discussão sobre o voto de cabresto é necessário fazer um panorama de como o voto se desenvolveu no Brasil, considerando aqui apenas os períodos Colonial, Imperial, República Velha e o Estado Novo, que já são suficientes em termos de comparação.
Para quem quiser saber em mais detalhes, passando pelo período da Ditadura e a Redemocratização, a Politize! dispõe do texto “História do Voto no Brasil”, base do resumo a seguir.
Período Colonial e Imperial
No período colonial, de 1532 – com a primeira eleição para Câmara Municipal – até 1821, os votos eram apenas na esfera municipal, sem partidos políticos, aberto e apenas homens livres poderiam votar. Já no período Imperial (1822-1889), além das municipais também foi possível eleger deputados e senadores e o voto passou ser censitário, ou seja, apenas algumas pessoas poderiam votar, e o critério utilizado era a renda anual, e de forma geral eram eleitores homens com mais de 25 anos. Mulheres e pessoas escravizadas continuavam sem direito ao voto.
A República Velha e o Estado Novo
Com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, adotou-se o presidencialismo, no qual um chefe do Executivo Federal (Presidente da República) passou a ser eleito. Porém, ainda não se tinha o direito ao voto universal, ou seja, independente de classe social, renda, sexo, escolaridade, entre outros.
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Neste sentido, nesse primeiro período, conhecido como “República Velha”, ainda existia uma série de restrições sobre quem tinha direito ao voto: mulheres, indígenas, menores de 21 anos e analfabetos, por exemplo, não poderiam participar do processo de escolha dos seus representantes. Também foi nesse período em que se destacava o voto de cabresto, que já veremos no próximo tópico como funcionava.
Com a chegada à presidência de Getúlio Vargas (1930 – 1945), o sistema político, econômico e social passou por uma série de transformações. O seu início no cargo foi marcado pela “Revolução de 30”, que corresponde ao fim da “República do Café com Leite”, que se caracterizava pela alternância no poder presidencial pela elite mineira e paulista.
Dentre as principais características que precisamos aqui entender é de que o processo eleitoral passou a ser mais completo, com a criação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), além do direito ao voto feminino e o voto secreto que foram assegurados.
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Um momento importante do Governo Vargas que merece destaque é o período conhecido como “Estado Novo” (1937-1945), no qual houve o fechamento do Congresso, a suspensão das eleições e a abolição da Constituição de 1891, com o objetivo de romper com as elites tradicionais que se mantinham no poder.
Em contrapartida, houve reações contra essas ações e pressão para realizarem novas eleições, bem como uma nova constituição. Com a instituição da nova Constituição, no ano de 1934, uma série de direitos foram garantidos, como os trabalhistas e expansão da participação política, entre outros.
República Velha e Coronelismo: o estabelecimento do voto de cabresto
Após entender resumidamente a história do voto, vamos voltar lá no período da chamada “República Velha”, pois é a partir dela que explicaremos o voto de cabresto. Como podemos ver anteriormente, não se tinha um sistema eleitoral definitivo com regras e respeitando o processo democrático, como o atual. Portanto, prevaleciam outras formas de escolha dos representantes e as fraudes eram predominantes.
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Em seu livro clássico da literatura política no Brasil, “Coronelismo, enxada e voto: O município e o regime representativo no Brasil”, que teve sua primeira edição publicada em 1948, Victor Nunes Leal detalha o fenômeno do “coronelismo” e como este explica o processo político da República Velha. Para o autor, Coronelismo:
“[…] é sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras. Não é possível, pois, compreender o fenômeno sem referência à nossa estrutura agrária, que fornece a base de sustentação das manifestações de poder privado ainda tão visíveis no interior do Brasil” (p.44).
Para isso, o autor ressalta a relação de dependência de trabalhadores locais, que trabalham para os donos de terras (ou coronéis, na figura de chefes locais), em um contexto de grande concentração de terras que ressaltavam as desigualdades com as precariedades que os dependentes viviam. Neste sentido, essa população “vive no mais lamentável estado de pobreza, ignorância e abandono. Diante dela, o ‘coronel’ é rico” (p.46).
Além de descrever a situação precária desses trabalhadores rurais, o autor descreve a falta de acesso à informação para criar uma consciência política, aumentando sua dependência dos coronéis:
“Completamente analfabeto, ou quase, sem assistência médica, não lendo jornais nem revistas, nas quais se limita a ver as figuras, o trabalhador rural, a não ser em casos esporádicos, tem o patrão na conta de benfeitor. E é dele, na verdade, que recebe os únicos favores que sua obscura existência conhece” (p.47).
Portanto, esse poder econômico se convertia em poder político nesses locais.
Sendo assim, para o autor, acerca dos trabalhadores: “seria ilusório pretender que esse novo pária tivesse consciência do seu direito a uma vida melhor e lutasse por ele com independência cívica. O lógico é o que presenciamos: no plano político, ele luta com o ‘coronel’ e pelo ‘coronel’” (p.47). Logo, podemos entender como ocorria a manipulação dos votos, que além dessa falta de informação, havia despesas eleitorais que eram necessárias, e as quais os próprios chefes locais financiavam:
“Sem dinheiro e sem interesse direto, o roceiro não faria o menor sacrifício nesse sentido. Documentos, transporte, alojamento, refeições, dias de trabalho perdidos e até roupa, calçado, chapéu para o dia da eleição, tudo é pago pelos mentores políticos empenhados na sua qualificação e comparecimento” (p.57). Considerando esse contexto, para o autor é “perfeitamente compreensível que o eleitor da roça obedeça à orientação de quem tudo paga, e com insistência, para praticar um ato que lhe é completamente indiferente” (p.57).
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Como funcionava o voto de cabresto e para quem iam os votos?
Como vimos, os Coronéis utilizaram-se dos seus poderes econômicos para exercer poder político nos seus locais, denominados “Currais eleitorais”. Com tamanho poder em mãos, e como o voto era aberto, eles podiam manipular seus dependentes para votar em quem indicarem.
Assim, organizava-se o que ficou conhecido como “Política dos Governadores”, que funcionava como um grande acordo dos governos desde os níveis municipais ao federal, em que um não interferia nas eleições do outro e, consequentemente, se ajudavam a manter no poder.
Nesse sistema, os Coronéis eram fundamentais, pois garantiam que seus “currais eleitorais” votassem nos candidatos que os apoiavam. Assim, nos municípios tinha-se apoio para eleição dos governos dos estados e estes apoiavam os federais. Nesses acordos, os Coronéis também mantinham sua influência local.
Será que hoje ainda temos esse tipo de voto?
Apesar dos diversos avanços importantes no nosso sistema eleitoral, instaurando maior transparência e segurança no processo democrático, ainda é possível vermos notícias de tentativas de fraudes puníveis pela Justiça Eleitoral, como, por exemplo, as “bocas de urnas”, que são tentativas de influenciar os eleitores próximo das seções eleitorais no dia das votações, ou até mesmo as compras de votos, que acorrem quando os eleitores trocam seus votos por benefícios individuais (dinheiro, emprego, material de construção etc.).
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No entanto, cabe aqui delimitar nosso foco em entender como o voto de cabresto dominou um momento histórico durante a República Velha e quais elementos contribuíram para que isso ocorresse. Por outro lado, ele também nos ajuda a entender como o voto é um direito político importante para ser garantido em um sistema democrático e exercido sem nenhum tipo de coação em benefício de um candidato.
E aí, gostou desse conteúdo? Deu para entender sobre o voto de cabresto? Se sim, continue acompanhando a Politize! para aumentar seu conhecimento em diversos temas relacionados com a política. Esperamos você nos próximos textos ou nos que já estão disponíveis em nosso site. Bons estudos!
Referências:
- LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto : o município e o regime representativo no Brasil / Victor Nunes Leal. — 4ª edição — São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
- Politize! História do Voto no Brasil
- Politize! Sistemas de Governo: Presidencialismo
- Politize! Voto universal e voto censitário: qual a diferença?
- Politize! Era Vargas (1930-1945)
- Politize! A Constituição de 1934
- Politize! Compra de votos: vale a pena vender o seu?
- Politize! Coronelismo: entenda o conceito
- TSE – Glossário Eleitoral do TSE
- TSE – Eleições nos tempos do imperador
- TSE – Você sabe o que é boca de urna? O Glossário Eleitoral Brasileiro explica