O que é a Comissão Nacional da Verdade?

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Apresentação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade. Fonte: Agência Brasil

(Apresentação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade. Fonte: Agência Brasil)

Você já ouviu falar sobre Comissões da Verdade? As comissões são órgãos temporários que buscam expor crimes contra os direitos humanos, normalmente após regimes militares. No Brasil, o regime militar durou 21 anos: de 1964 a 1985, e durante este período muito desaparecimentos e mortes ocorreram. Entretanto, somente quase 30 anos após a ditadura militar uma Comissão Nacional da Verdade foi instaurada aqui no Brasil. Quer entender melhor sobre o assunto? O Politize! explica.

Comissão Nacional da Verdade: o que é?

Comissões da Verdade são criadas pelo Estado para investigar violações de Direitos Humanos ocorridas em um determinado período da história de um país. Normalmente ocorrem durante um período de transição política, como por exemplo após um regime autoritário.

Os objetivos das Comissões da Verdade são analisar os contextos sociais e históricos nos quais se passaram os abusos e violações, esclarecer fatos que podem ter sido modificados ou escondidos pelo Estado e com essas informações, elaborar relatórios e recomendações, com sugestões de reformas institucionais e maneiras de reparação histórica.

Mais de 30 países já realizaram suas Comissões!

A primeira Comissão da Verdade originou-se em Uganda, país na África Oriental, no ano de 1974 sob o governo de Idi Amin. O objetivo era investigar desaparecidos durante seus primeiros anos no poder e responder às críticas contra o seu regime.

Desde então, mais de 30 comissões foram instaladas ao redor do mundo, sendo alguns exemplos: Alemanha, Argentina, Bolívia, Canadá, Carolina do Norte (EUA), Marrocos, Paraguai, Peru, Portugal, Uruguai, El Salvador, Guatemala, entre outras.

Na América do Sul e na Central, as Comissões da Verdade foram formadas e encarregadas de investigar os seguintes assuntos:

  • Argentina: a ditadura que durou entre o ano de 1976 e 1983 e foi criada a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas;
  • Chile: os crimes cometidos durante o regime de Pinochet, que durou de 1973 a 1990;
  • Peru: A Comissão da Verdade e Reconciliação do Peru é considerada uma das mais importante, pois suas investigações fundamentaram processos como o que permitiu que o ex-presidente Alberto Fujimori acabasse preso por crimes cometidos durante seus mandatos.
  • El Salvador: teve sua Comissão da Verdade estabelecida por meio do Acordo do México, em abril de 1991, e contou com a participação dos dois lados que participaram do conflito no país.
  • Guatemala: foi criada a Comissão para o Esclarecimento Histórico, em julho de 1994, pelo Acordo de Oslo.
  • Paraguai: foi um dos últimos países a instalar a comissão, o que ocorreu 14 anos após o fim da ditadura militar, em outubro de 2003.
  • Bolívia: criada em 2017, foi encarregada de investigar os ocorridos entre os anos 1964 e 1982, quando a Bolívia foi governada por vários regimes militares de direita.

Já o Brasil, assim como o Paraguai e a Bolívia, foi um dos últimos a realizar uma Comissão Nacional da Verdade e, apesar de atrasada, contou com um grande acervo de material para ser investigado.

A CNV brasileira não julgou os crimes cometidos durante a ditadura, estimulada pela Lei da Anistia de 1979, que perdoou crimes de motivação política. Ao contrário, países como Alemanha, Peru, Argentina, entre outros, tiveram seus processos julgados e as pessoas punidas, a fim de evitar o esquecimento, pela população, de parte importante da história do país.

Vamos entender melhor como a CNV ocorreu no Brasil? 

Como foi estabelecida no Brasil?

Em 2011, foi criada através da Lei 12.528, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) e foi oficialmente instalada em 16 de maio de 2012. Seu objetivo foi investigar crimes, como mortes e desaparecimentos, cometidos por agentes representantes do Estado no período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988, principalmente aqueles ocorridos durante o período da Ditadura Militar.

Leia também: Ditadura Militar no Brasil!

Foram nomeados sete conselheiros pela então Presidente Dilma Rousseff: José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Rosa Maria Cardoso da Cunha e posteriormente Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari. Além deles, mais uma grande equipe composta por secretários, gerentes, comitês, assessores, pesquisadores, consultores, ouvidorias, estagiários, entre outras funções, que ajudaram na investigação.

O objetivo não foi punir e nem indiciar criminalmente qualquer um que tenha violado os direitos humanos nessa época: a Comissão não possui poder judicial, ou seja, não julga nem condena crimes, sendo seu papel apenas esclarecedor. Tem como objetivo amenizar a dor dos familiares de envolvidos, prestar esclarecimentos à população e elaborar documentos para estudo histórico-social.

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade foi entregue em 10 de dezembro de 2014, Dia Internacional dos Direitos Humanos, em uma cerimônia realizada no Palácio do Planalto.

Com a apresentação do relatório final, o Brasil reconhece que a prática de detenções ilegais e arbitrárias, tortura, violência sexual e execuções, entre outras formas de agressões, foi resultado de uma política estatal generalizada, resultando, assim, em crimes contra a humanidade.

Leia também: Tortura durante o regime militar no Brasil!

Dica: O documentário “Em Busca da Verdade”, feito pela TV Senado, traz grandes exemplos de como foi todo o processo de apuração dos crimes. Não deixe de assistir!

Os três grandes relatórios

Presidente Dilma Rousseff emocionada ao receber o relatório final da Comissão Nacional da Verdade.

(Presidente Dilma Rousseff emocionada ao receber o relatório final da Comissão Nacional da Verdade. Fonte: Agência Brasil)

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade foi dividido em três volumes:

O “Volume I” apresenta explicações sobre a criação da CNV, sobre as estruturas do Estado e as graves violações de direitos humanos.

O “Volume II: Textos Temáticos” apresenta como as violações ocorreram em diferentes segmentos da sociedade, por exemplo no meio militar, aos trabalhadores, camponeses, nas igrejas Cristãs, com os povos indígenas e nas Universidades. Também apresenta dados sobre a ditadura e homossexualidades, os civis que colaboraram com a ditadura e sobre a resistência da sociedade civil às violações de direitos humanos.

Já o “Volume III: Mortos e Desaparecidos Políticos” apresenta uma relação de perfis de mortos e desaparecidos políticos – 1946-1988 (em ordem alfabética). Ao todo, são contadas as histórias de 434 pessoas, com dados, biografia, circunstâncias da morte, considerações sobre o caso e até mesmo a identificação da autoria dos crimes.

No dia 15 do mesmo mês, um decreto temporário instituiu a organização dos dados ali contidos num Acervo disponível no site, reunindo Auditorias Populares, Documentos, Fotografias, Laudos Periciais, Relatórios de Pesquisa, Textos do Colegiado, Tortura em Instalações Militares e até dados publicados no Facebook da CNV durante seus dois anos e meio de atividade.

O Caso Vladimir Herzog

Entre a relação dos perfis das 434 pessoas que sofreram violações graves de direitos humanos, levando a morte ou ao desaparecimento, estava o jornalista, professor e cineasta Vladimir Herzog.

Vladimir nasceu dia em 27 de junho de 1937 na cidade de Osijsk, na Croácia (na época, parte da Iugoslávia), morou na Itália e emigrou para o Brasil com os pais em 1942. Em 1975, Herzog foi escolhido para dirigir o jornalismo da TV Cultura. Em 24 de outubro do mesmo ano, foi chamado para prestar esclarecimentos na sede do DOI-Codi sobre suas ligações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).

De acordo com o site Aventuras na História:

Vladimir acordou mais cedo que de costume no sábado, 25 de outubro de 1975. Fez a barba, tomou banho e se despediu da mulher Clarice, ainda na cama, com um beijo. Ela quis se levantar e preparar o café, ele disse para não se preocupar, que no caminho pararia em um bar e tomaria café com leite. Vlado chegou ao número 1030 da rua Tomás Carvalhal, no bairro do Paraíso, em São Paulo, perto das 9h. No prédio de muros altos guardados por sentinelas armados, onde funcionava o Destacamento de Operações Internas – Comando Operacional de Informações do 2º Exército, o DOI-CODI, Vlado entrou pela porta da frente. Disse ao atendente seu nome completo, sua profissão e o número de seu RG. Informou que na noite anterior, por volta das 21h30, dois homens que se identificaram como agentes de segurança do Exército o tinham procurado na TV Cultura, onde trabalhava, e que, para não ser detido, se comprometera a se apresentar ali no dia seguinte. E assim o fizera. Depois disso se pôs a esperar, sentado em um dos bancos de madeira que margeavam o largo corredor que levava a uma porta fechada de aço e vidro. Minutos depois, quando foi levado para interrogatório, ele permanecia tranquilo.

Em nota, o Comando do II Exército declarou que, quando estava em companhia de outros dois jornalistas também detidos, Rodolfo Oswaldo Kondere e George Benigno Jatahy Duque Estrada, Vladimir teria admitido seu vínculo com o PCB desde 1971 ou 1972. A comunicação sustenta ainda que às 16 horas, quando foi novamente procurado, Vladimir foi encontrado morto, enforcado com uma tira de pano e portando um pedaço de papel rasgado, no qual teria descrito sua participação no partido. Dessa forma, era montada a falsa versão de suicídio.

A família de Herzog recebeu, em 2013, uma nova certidão de óbito, que estabeleceu que a morte do jornalista se deu em função de “lesões e maus-tratos sofridos durante os interrogatórios em dependência do II Exército (DOI-CODI)”.

O relatório da CNV afirma que não há dúvidas acerca das circunstâncias da morte de Vladimir Herzog, detido ilegalmente, torturado e assassinado por agentes do Estado.

As recomendações da Comissão

O fato da família de Herzog receber uma nova certidão de óbito faz parte de uma das 29 recomendações feitas pela Comissão Nacional da Verdade ao Estado brasileiro, para que o mesmo possa promover justiça com relação aos crimes ocorridos no período. O objetivo também é reparar simbólica, financeira e psicologicamente as vítimas, visando a não repetição das violações de direitos humanos.

Entre as 29, poucas foram realmente cumpridas pelo Estado brasileiro, sendo elas:

  • Retificação da certidão de óbito de vítimas da ditadura;
  • Introdução da audiência de custódia na Justiça;
  • Criação de órgão permanente para garantir a manutenção dos trabalhos da CNV;
  • Prosseguimento das atividades de buscas por corpos de vítimas da ditadura militar;
  • Manutenção dos trabalhos de abertura dos arquivos da ditadura militar.

As outras 24 ou não foram cumpridas ou foram cumpridas parcialmente.

Apesar das recomendações feitas no Brasil ou pelo mundo, as Comissões da Verdade possibilitam que um amplo debate social se estabeleça e que a população e as instituições reflitam sobre seu passado, tentando, assim, impedir que graves violações aos direitos humanos sigam ocorrendo no presente.

Conseguiu entender melhor o que são as Comissões da Verdade? O que pensa sobre elas? 
REFERÊNCIAS:

Nações Unidas – Aventuras na história – Piauí – Significados – Jus Brasil – Comissão Nacional da Verdade – Memórias da Ditadura – DW

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Conteúdo escrito por:
Graduanda de Jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi. Apaixonada por história e comunicação, acredita que a informação é um direito de todos e quer levar conteúdo de qualidade a diferentes públicos.
Ponchirolli, Rafaela. O que é a Comissão Nacional da Verdade?. Politize!, 7 de outubro, 2019
Disponível em: https://www.politize.com.br/comissao-nacional-da-verdade/?gad_source=1.
Acesso em: 23 de nov, 2024.

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