Certamente, você já ouviu falar sobre os povos indígenas do Brasil. Durante os estudos escolares sobre o “descobrimento do Brasil”, muitas vezes somos levados a pensar que a terra não estava “empossada” antes da chegada dos portugueses. No entanto, os povos indígenas habitavam as Américas muito antes da chegada dos europeus.
A população indígena do Brasil é formada por uma diversidade cultural e social pouco conhecida, porém esses povos estão se mostrando cada vez mais presentes na sociedade. Quais são esses povos e quais os seus direitos? Essas e outras questões a Politize! te explica a seguir.
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Luta dos povos indígenas no Brasil
O movimento indígena é bem antigo no Brasil. A luta pela garantia de direitos resgata questões socioambientais e humanitárias como pautas. No Brasil, o movimento tem seu marco organizacional nos anos 1970 devido à reivindicação de proteção de terras diante das políticas expansionistas da ditadura militar.
Em 2002, foi criada a Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (APIB), com o objetivo de acumular as pautas dos povos indígenas e reunir forças em busca de direitos.
Em janeiro de 2023 com o descaso do poder público, o Ministério da Saúde declarou estado de emergência de saúde pública devido ao aumento nos casos de desnutrição e malária no território yanomami.
O Ministério da Justiça iniciou as investigações nos casos que considera como: crime de genocídio, crimes ambientais e omissão de socorro. O APIB afirma que a Justiça teria ignorado as denúncias do caso, no mínimo, 21 vezes.
O objetivo central do movimento é a conservação e a delimitação de áreas indígenas, porém sua movimentação política vai para além disso: a luta também inclui formas de resistência para manter viva sua cultura e modos de vida.
O marco temporal foi uma ação do Supremo Tribunal Federal (STF) que buscava deliberar sobre a reivindicação de posse de territórios indígenas. Essa ação determinava que somente quem já ocupasse o território no marco do dia 5 de outubro de 1988 é quem teria direito sobre as terras. Essa foi a data da promulgação da nossa Constituição Federal.
Em entrevista ao CNN Brasil, o ambientalista e líder indígena, Ailton Krenak, afirma que “se o setor privado se apropriar dessas terras, estaria acontecendo a maior privatização de terras do nosso país e que nunca aconteceu na história do Brasil”.
Dessa forma, mobilizando ocupações ou atos, o movimento indígena é muito ativo na política brasileira, participando de criação de projetos de lei, criando ONGs e participando da política institucional, como no Ministério dos Povos Originários.
Leia mais: Movimento indígena.
Quais direitos a Constituição garante aos povos indígenas do Brasil?
A Constituição Federal de 1988 trouxe mudanças expressivas na política indigenista do Estado brasileiro.
Instituída no Brasil em 1910 com a criação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN), que passou a se chamar SPI (Serviço de Proteção aos Índios) em 1918, a política indigenista adotada pelo Estado buscava integrar os povos indígenas na sociedade brasileira e os obrigava a abandonar suas culturas e costumes.
Fazia isso por meio da obrigatoriedade do português como idioma oficial nas escolas, de uma educação nos moldes nacionais e pela negação da diversidade cultural dessa população.
Atualmente, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), que foi criada para substituir o SPI em 1967, não tem mais como foco a política de integração e trabalha para a promoção e o respeito aos direitos dos povos indígenas.
A partir de 1988, por conta da pressão dos movimentos indígenas e com a nova constituição, o Estado passa, claramente, a defender os direitos desses povos, abrindo espaço para uma educação diferenciada e para o respeito às suas tradições, organizações e culturas.
Na Constituição de 1988, é conferido o direito à educação escolar dos indígenas, que concede destaque especial a métodos próprios de aprendizagem e ao uso de sua língua materna. Tendo em vista esse objetivo, o Ministério da Educação (MEC) elaborou em 1994 as “Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena”, que serviu de base para o norteamento de normas específicas para a oferta de uma educação diferenciada aos povos indígenas.
Na Constituição, existem outros dois artigos que tratam dos direitos indígenas. O artigo. 231 evidencia a preocupação do Estado em romper com a política integracionista vigente ao afirmar a necessidade de se respeitar a organização social, as crenças e as tradições desses povos. Ou seja, os indígenas passam a ter direitos sobre sua identidade, seu modo de viver, e sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
Já o artigo 232 determina que os povos indígenas, seja individualmente ou por meio de suas comunidades e organizações, são aptos para entrarem em defesa de seus direitos e interesses.
Essa é uma mudança importante que a Constituição traz porque, até 1988, prevalecia na política indigenista a ideia de que os indígenas eram inaptos para se defenderem sozinhos, e que por isso era necessária a tutela pelo órgão indigenista. A prática tutelar foi extinta em 1988.
Outros direitos dos povos indígenas
Além desses direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988, os povos indígenas do Brasil têm a garantia de direitos sociais comuns a outros cidadãos brasileiros. Cabe à Funai trabalhar e facilitar o acesso daqueles ao Registro Civil de Nascimento e ao Registro Administrativo de Nascimento.
O Registro Administrativo de Nascimento é exclusivo dos indígenas e pode ser usado para requerer uma certidão de nascimento e também como documento de identificação temporário, em casos de viagem, por exemplo.
Além destes, são garantidos também o CPF (Cadastro de Pessoa Física) e RG (Carteira de Identidade). Em alguns Estados, como Mato Grosso do Sul e Roraima, é possível acrescentar a etnia e o povo aos quais pertencem, em ambos os documentos.
Os povos indígenas têm direito à previdência social?
Os indígenas, como qualquer outro cidadão, têm direito aos benefícios sociais e previdenciários do Estado brasileiro. Segundo a Instrução Normativa do INSS de 2010, os indígenas que trabalham individualmente ou de forma coletiva, na cidade ou no campo e que façam dessas atividades o seu principal meio de vida e de sustento têm direito à Previdência. No entanto, o trabalhador indígena rural tem direito a uma seguridade especial.
As mulheres podem se aposentar a partir dos 55 anos e os homens depois dos 60 anos. Esses segurados especiais são isentos de contribuição, sendo necessário apenas a idade mínima. Cabe à Funai emitir um certificado que garanta essa condição de trabalhador rural para que o interessado possa requerer o benefício no INSS.
Contudo, com a nova Reforma da Previdência proposta pelo governo de Jair Bolsonaro alguns desses itens podem sofrer mudanças. Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), as principais mudanças previstas são:
- Aumento da idade mínima de 55 anos para a mulher indígena, para 60 anos;
- Contribuição previdenciária de R$ 600,00 por ano, com tempo mínimo de 20 anos de contribuição para o segurado indígena alcançar o salário mínimo;
Ainda segundo a Articulação, muitos dos indígenas não conseguirão cumprir as exigências e serão deslocados para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que será ancorado em um valor de R$ 400,00 até os 70 anos de idade, quando será convertido em um salário mínimo.
Os povos indígenas são todos iguais?
Como foi visto , no Brasil existe uma diversidade muito grande entre os povos indígenas. São muitas culturas, línguas e modos de vida que não se enquadram em uma definição homogênea, como sugere o termo “índio” – usado desde a época dos navegadores portugueses, no século XV.
A maioria dos povos indígenas vivem nas chamadas Terras Indígenas (TIs) que, segundo a Constituição, são aquelas tradicionalmente por eles ocupadas. Essas terras são bens da União e os indígenas que as habitam possuem apenas o direito de uso. No entanto, há também muitos indígenas vivendo nas cidades.
No fim das contas, ser indígena não está associado ao lugar onde se vive, mas ao pertencimento histórico a um grupo que compartilha valores que são muito distintos dos não-indígenas. Isso não quer dizer que não haja trocas ou que os povos indígenas tenham uma cultura parada no tempo.
Por isso, não estranhe quando você souber que há escritores indígenas brasileiros, como o famoso Daniel Munduruku, que é também doutor em educação pela USP. Ou um professor indígena, como Edson Kayapó, professor e coordenador da Licenciatura Intercultural do Instituto Federal da Bahia.
Os povos indígenas do Brasil são muitos, vivem nas aldeias, nas cidades e no campo, exercendo diversas profissões. Precisamos conhecê-los para romper alguns preconceitos e estereótipos que existem sobre essas populações.
Quantos indígenas existem no Brasil?
De acordo com o recente Censo de 2022, conduzido pelo IBGE, o Brasil abriga mais de 1,69 milhão de indígenas, um aumento de 89% em comparação com os números de 2010. Este salto não reflete apenas o crescimento populacional, mas também uma revisão metodológica.
Antes, a identificação era feita com base na cor da pele, mas muitos, apesar de terem ascendência indígena, se identificavam como “pardos”. Reconhecendo essa lacuna, o IBGE introduziu uma nova pergunta em 2022: “você se considera indígena?”.
Além das mudanças metodológicas, o ressurgimento do orgulho e reconhecimento da identidade indígena também desempenhou um papel crucial. Nos últimos anos, percebe-se um movimento crescente entre os descendentes dos povos originários para reafirmar e celebrar sua herança cultural.
Geograficamente, a presença indígena é mais proeminente no Norte, especialmente no Amazonas, que concentra 29% da população indígena total. No Nordeste, e especialmente na Bahia, também existe uma concentração significativa de indígenas. Mas esses povos estão presentes em grande parte do país, cerca de 86,6% dos municípios brasileiros têm residentes indígenas.
Talvez o dado mais revelador seja que a maioria dos indígenas, cerca de 63%, não vive em terras oficialmente demarcadas. Isso ressalta a necessidade de políticas públicas mais inclusivas que não se limitem apenas às áreas reconhecidas, mas que considerem a presença e as necessidades dos indígenas em todo o território nacional.
Leia mais: Políticas Públicas: o que são e para que servem?
Conseguiu entender quais são os povos indígenas do Brasil? Deixe suas dúvidas e sugestões nos comentários!
Referências:
- Agência Brasil – Acampamento Terra Livre deve reunir 4 mil indígenas em Brasília
- APIB – Impacto da reforma da previdência proposta por Bolsonaro nos povos indígenas
- Decreto nº5.051/2004
- IBGE – Indígenas
- Instrução normativa INSS/PRESS n°45, de 06 de agosto de 2010 – DOUde 11/08/2010 – Alterada
- Gov.br – Último censo do IBGE registrou quase 900 mil indígenas no país; dados serão atualizados em 2022
- CNN Brasil – ‘Marco temporal é a maior privatização de terras do país’, diz Ailton Krenak | NOVO DIA
- G1 – Censo do IBGE: Brasil tem 1,7 milhão de indígenas
- BBC News – Censo 2022: o que explica alta de quase 90% na população indígena