A Força Aérea Brasileira (FAB) faz treinamento de interceptação aérea para os Jogos Olímpicos de 2016 (Foto: Tomaz Silva | Agência Brasil).Quando falamos em Segurança Internacional, qual é a primeira imagem histórica que lhe vem à cabeça? A rivalidade bélica entre Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria? Ou a tensão atual entre o poder nuclear da Coreia do Norte frente aos EUA?
Não há uma resposta certa para a questão, já que todas essas situações são matéria de Segurança Internacional. O campo vai mais além, abrangendo temáticas que ultrapassam a preocupação nacional dos países para com o poder bélico-militar de outros Estados e entrando na esfera cibernética, por exemplo. Contudo, para entender essas especificidades, deve-se primeiro definir o que é Segurança Internacional. Afinal, qual a diferença entre ela e Segurança Nacional? A partir dessa definição é que você poderá entender a Segurança Internacional no cenário atual, assim como suas consequências. Vamos lá?
O QUE É SEGURANÇA?
Segundo Marco Cepik, professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Segurança é “uma condição relativa de proteção na qual se é capaz de neutralizar ameaças discerníveis [identificáveis] contra a existência de alguém ou de alguma coisa”. Ou seja, trata-se da necessidade de proteger, por vários meios, “informações, sistemas, instalações, comunicações, pessoal, equipamentos ou operações”.
Entenda: qual é o papel das Armas Nucleares em conflitos políticos?
COMO UM TEMA DE SEGURANÇA É DEFINIDO?
Para facilitar a compreensão da definição anteriormente dada para Segurança, devemos visualizá-la como uma “condição relativa”. Isso significa que a Segurança – Nacional e Internacional – muda constantemente. Qualquer informação pode se tornar centro da proteção estatal em certo momento e deixar de sê-lo em outro. Quando um assunto se torna prioridade na pauta política, é porque esse está sendo securitizado.
Mas o que é “securitização”? Trata-se da percepção de ameaça que um Estado tem sobre alguma questão. Ao securitizar um tema, as políticas estatais definidas para lidar com aquele assunto deixam de ser consideradas “normais” e passam a ser tidas como “políticas de pânico”. Esse caráter emergencial permite que medidas ilegais ou incomuns sejam momentaneamente usadas. Uma política estabelecida emergencialmente foi a de Tolerância Zero do governo de Donald Trump, definida em abril de 2018. Tal política criminalizou imigrantes irregulares que ultrapassaram a fronteira estadunidense, separando preventivamente as crianças de seus pais durante o processo criminal. É importante destacar que essa decisão gerou tanta polêmica e foi tão criticada que acabou sendo revogada apenas dois meses após ter sido estabelecida.
O Politize! falou sobre essa polêmica na retrospectiva de junho de 2018, vai lá ver!
COMO DIFERENCIAMOS A SEGURANÇA NACIONAL DA SEGURANÇA INTERNACIONAL?
Os Estados são sociedades constituídas por grupos de indivíduos organizados que buscam objetivos em comum. Nesse sentido, a Segurança Nacional visa a proteção coletiva e individual dos membros que compõem essa sociedade contra ameaças à sobrevivência e autonomia. Tal busca pela sobrevivência estatal pode ser visualizada, por exemplo, na recente militarização das fronteiras entre Áustria e Itália como forma de evitar a entrada de migrantes irregulares que chegavam pelo Mar Mediterrâneo, o que foi tido como uma ameaça ao Estado.
Além disso, a denominação “nacional”, como constata Cepik, tem origem no contexto ocidental de delimitação territorial. Ou seja, trata-se de Segurança Nacional quando a questão ocorre dentro das fronteiras, as quais tradicionalmente separam um Estado Nacional de outro.
A noção de uma sociedade que pode se organizar politicamente significa a criação de um sistema de normas jurídicas, o qual inclui uma Constituição Federal e diversos outros regulamentos. Além das leis – e talvez ainda mais importante que essas –, dentro de um Estado existe uma hierarquia entre as instituições. Essa hierarquia significa que o Estado – representado pelos governantes – tem um poder sobre os cidadãos, que possuem direitos, mas também deveres. Trata-se da chamada soberania do Estado: não há uma instituição “acima” dele, nem dentro ou fora de seu território. Tal estrutura hierárquica entre governantes e governados é o que difere os membros de um Estado e os membros da Comunidade Internacional.
Internacionalmente, não há um órgão superior regulador, algum tipo de “governo mundial” que tem mais poder que os Estados. Também não há uma relação de subordinação entre os países do Sistema Internacional. Ou seja, todos são iguais entre si, o que torna o Sistema Internacional anárquico. Por causa dessa anarquia, os países cooperam e competem à nível internacional, visando principalmente a sobrevivência do Estado Nacional.
Mas, afinal, qual a diferença teórica entre securitizar um assunto nacionalmente – deixando a questão interna ao país em questão – e internacionalmente? Como vivemos em um mundo integrado e globalizado, essa diferenciação não é clara e, portanto, não existe uma explicação concreta. Para exemplificar como uma situação interna tornou-se tema de Segurança Internacional, vamos utilizar um exemplo prático que afetou o mundo todo: o 11 de setembro.
Depois que os ataques de 2001 foram definidos pelos Estados Unidos como tendo caráter terrorista, buscou-se responder e consequente retaliar tais atos de forma conjunta. Essa ação em grupo foi possibilitada, principalmente, por organizações internacionais. Como a Organização das Nações Unidas (ONU) era, e ainda é, o organismo internacional mais importante na esfera decisiva nos níveis econômico e militar, a pauta foi levada até ela. Sua relevância internacional é explicada não apenas pelo fato de a organização contar com 193 países-membros, mas por entre esses estarem os Estados mais poderosos do globo. Tais potências possuem, até hoje, uma força especial dentro das Nações Unidas, representada principalmente pelo Conselho de Segurança.
Que tal entender mais sobre os órgãos da ONU, como o Conselho de Segurança e outros?
Alguns membros do Conselho de Segurança desaprovaram a “Guerra ao Terror” estadunidense – a qual incluiu várias ações, como o aumento da fiscalização de passageiros que embarcam em aeroportos dos países do Oriente Médio com destino aos Estados Unidos. Contudo, isso não impediu atos posteriores e unilaterais de retaliação, como a Guerra do Iraque, em 2003. Com esse exemplo, fica claro que as pautas do processo decisório internacional são, na maior parte das vezes, definidas pelos atores mais poderosos do Sistema Internacional. Tais países também são os que possuem os meios necessários (financeiro, político e militar) para execução de ações a nível mundial.
Sobretudo com relação ao terrorismo, no pós-11 de setembro, o processo de tomada de decisão internacional passou a ser influenciado pela figura dos Estados Unidos. Dividindo os Estados do globo entre “guerreiros da liberdade” e “terroristas”. Como ressaltou Saint-Pierre, o país norte-americano definiu sua estratégia econômica e militar após os atentados visando combater quaisquer influências que os países do Oriente Médio pudessem ter sobre o Sistema Internacional.
QUAL A DIFERENÇA ENTRE SEGURANÇA E DEFESA?
Segundo General Linhares, do Exército Brasileiro, em vídeo de 2017 para o canal do Ministério da Defesa no Youtube, Segurança é “uma sensação; é quando o indivíduo não se sente ameaçado”. Para atingir tal objetivo trabalha-se conjuntamente a Defesa Nacional e a Segurança Pública.
A Defesa Nacional, no caso do Brasil, é uma atividade realizada pelas Forças Armadas – Marinha, Exército e Força Aérea –, que, segundo a Constituição, devem defender a pátria e os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário. Em outras palavras, as Forças Armadas devem preservar a soberania nacional, a integridade territorial e o país de qualquer ameaça externa. A Segurança Pública, por sua vez, visa a integridade do cidadão e do patrimônio, assim como a ordem pública. Essa última é desempenhada, integradamente, pelas Polícias Militares, Estaduais e Federal.
Ademais, algumas Constituições – como a brasileira –, preveem a complementaridade das Forças Armadas no estabelecimento da segurança e da ordem pública. Esse ato é conhecido como Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e deve partir de uma demanda do Presidente da República, que define o tempo e a área da atuação da ordem. É possível que as Forças Armadas atuem na segurança pública somente quando as possibilidades de usar as forças tradicionais de segurança pública, como a Polícia Militar e Civil, tiverem sido esgotadas. A intervenção federal em diferentes comunidades do Rio de Janeiro, decretada em fevereiro de 2018, é um exemplo dessa possibilidade.
QUAIS SÃO OS DESAFIOS ATUAIS PARA OS ESTUDOS DE SEGURANÇA INTERNACIONAL?
Para compreender o que se entende por Segurança Internacional, devemos evidenciar, por último, quais são os maiores desafios a serem enfrentados nesse campo.
Até os anos 1970, quando a bipolaridade da Guerra Fria ainda dominava o mundo, os estudiosos de Segurança Internacional limitavam o conceito de Segurança para um lado estatal e unicamente militar e nuclear. Com o afrouxamento da tensão desse conflito, e a consequente vitória capitalista, o Sistema Internacional sofreu uma série de mudanças. Esses novos processos resultaram em uma nova agenda de Segurança, a qual passou a propor novas temáticas e atores.
Segundo Barry Buzan, essa ampliação implicou em cinco setores aos quais a Segurança Internacional estaria submetida no novo momento:
Militar:
Tem a segurança e a defesa do Estado como principal objeto de referência. Anteriormente era a única esfera considerada no âmbito da Segurança Internacional.
Político:
Interpreta como ameaça a destruição ou o abalo da estabilidade organizacional do Estado. Consequentemente, preocupa-se com a sua soberania, a qual envolve, internamente, o reconhecimento e a legitimidade da autoridade governamental. Já internacionalmente, a preocupação diz respeito à sobrevivência dos países e da Sociedade Internacional como um ambiente anárquico. Ou seja, sem que algum Estado governe os demais.
Econômico:
Levado em consideração principalmente quando há insegurança econômica – como momentos de crise econômica profunda –, que afeta as já citadas esferas militar e política.
Social:
Abriga as identidades coletivas que funcionam independentemente do poder estatal (sob a forma de tribos, clãs, nações, civilizações e religiões).
Meio-ambiente:
Foi incluído na agenda de Segurança Internacional ao constatar que também impacta as atividades humanas, tendo como referência principal a qualidade da vida e, consequentemente, a sobrevivência das populações.
Essa teoria de Buzan sobre as esferas importantes de Segurança Internacional pode ser ilustrada por acontecimentos práticos passados e contemporâneos. A Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, de 1972, que incentivou a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente no mesmo ano, é uma delas. Seus principais objetivos – “manter o estado do meio-ambiente global sob contínuo monitoramento, recomendar medidas para melhorar a qualidade de vida da população sem comprometer os recursos e serviços ambientais das gerações futuras, etc.” –, continuaram a ser desenvolvidos por meio das Conferências seguintes (incluindo a Rio 92 e a Rio+10, ocorridas na cidade do Rio de Janeiro). Atualmente, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável direciona as ações dos países na proteção do meio ambiente.
Ainda mais relevante é a questão migratória, a qual foi inicialmente pautada após a Segunda Guerra Mundial, com a criação do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), visando ajudar os milhões de europeus que fugiram de seus países ou perderam suas moradias. Seu momento atual, reconhecido como uma nova crise de refugiados, desloca cidadãos que fogem de seus países devido a perseguições políticas e guerras. A maioria desses, por sua vez, originários da Síria, tentam escapar da Guerra Civil que assola o país desde 2011. Em 2015, as estatísticas apontaram um total de 65,3 milhões de pessoas que já haviam passado pela situação migratória.
A segurança cibernética, finalmente, tem sido trazida pelas organizações internacionais, empresas privadas e, sobretudo, pelos Estados, a partir das últimas décadas do século XX, como uma das temáticas mais relevantes da era tecnológica. O tema tornou-se parte da agenda de Segurança Internacional por conta da preocupação com a proteção e transmissão da informação armazenada em aparelhos de computação pelas redes. Os Estados veem a cibernética como uma possibilitadora na alteração das relações convencionais de poder, aumentando a capacidade de monitoramento das informações na era da globalização. Os ataques de hackers à criptomoeda mais conhecida no mercado internacional, a Bitcoin, promovendo sua desvalorização imediata, são exemplos dessas capacidades cibernéticas ainda desconhecidas.
E então? Conseguiu entender o que significa Segurança Internacional? É um campo de estudos bem complexo, mas muito importante, e se conecta diretamente com a maneira que os países conduzem sua Política Externa.
Referências:
BBC – Entenda a polêmica sobre a política que separava famílias de imigrantes ilegais nos EUA
BUZAN, Barry. Rethinking Security after the Cold War. Cooperation and Conflict, [S.L], v. 32, n. 1, p. 5-28, mar. 1997.
CEPIK, Marco. Segurança Nacional e Segurança Humana: Problemas Conceituais e Consequências Políticas. Security and Defense Studies Review, [S.L], v. 1, p. 1-19, 2001.
FERREIRA NETO, Walfredo Bento. Territorializando o “Novo” e (re)territorializando os tradicionais: a Cibernética como espaço e recurso de poder. Coleção Meira Mattos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 11, p. 07-18, jan./abr. 2014.
JORNAL DO BRASIL – Áustria envia militares para fronteira e irrita Itália.
MINISTÉRIO DA DEFESA – Garantia da lei e da ordem.
NAÇÕES UNIDAS – A ONU e o meio-ambiente.
NAÇÕES UNIDAS – Histórico do ACNUR.
NAÇÕES UNIDAS – Países-membros da ONU.
POLITIZE – A crise humanitária dos refugiados.
SAINT-PIERRE, Héctor Luis. 11 de Setembro: do terror à injustificada arbitrariedade e o terrorismo de Estado. Revista de Sociologia e Política, [S.L], v. 23, n. 53, p. 9-26, mar. 2015.
SAINT-PIERRE, Héctor Luis. “Defesa” ou “Segurança”?: Reflexões em torno de Conceitos e Ideologias. Contexto Internacional, [S.L], v. 33, n. 2, p. 407-433, jul./dez. 2011.
SUPER INTERESSANTE – 11 de setembro: o que veio depois.
TANNO, Grace. A contribuição da Escola de Copenhague aos Estudos de Segurança Internacional. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 47-80, jan./jun. 2003.
YOUTUBE DO MINISTÉRIO DA DEFESA – Qual é a diferença entre defesa nacional e segurança pública?